O drama dos bastardos da Renânia

Bastardos da Renânia era um termo racial depreciativo utilizado na Alemanha durante o período da República de Weimar e continuado durante o regime nazista para se referir aos filhos miscigenados de negros africanos com mulheres alemãs.


Renânia e uma região ao sudoeste da Alemanha, localizada entre o baixo e médio Reno, faz fronteira com a França.


Após ser derrotada na 1° Guerra Mundial foi imposta a Alemanha a assinatura do Tratado de Versalhes. O tratado impusera inúmeras restrições à Alemanha desde a limitação de sua força militar até o pagamento de indenização as nações vencedoras da guerra, isso produziu um enorme caos econômico e também um sentimento generalizado de humilhação que trariam graves consequências que seriam catalisadas politicamente pelos nazistas. Em questão a região da Renânia por clausula do tratado deveria ficar sem presença militar alemã e ocupada pelos franceses. 


A Alemanha compunha junto com o Império Austro-Húngaro e o Reino da Itália a chamada Tríplice Entende, que combatia a Tríplice Aliança formada por França, Inglaterra e Rússia. A Itália antes do final da guerra mudaria de lado e a Rússia após a revolução socialista de 1917, saiu da guerra. Durante o conflito como medida de intensificar os esforços de guerra, a França recrutou de forma compulsória nas colônias que possuíam no continente africano, homens para servirem como soldados em tropas auxiliares para combaterem no teatro de guerra na Europa. Essas tropas compostas por africanos nativos eram posicionadas na linha de frente da guerra, ficando expostas a ataque de artilharia pesada, uso de armas químicas por parte do exército alemão o que fazia a taxa de mortalidade ser extremamente alta. Com o término da guerra e a rendição alemã essas tropas africanas ficaram estacionadas na Renânia, sem terem condições de regressarem para suas comunidades natais, os soldados negros passaram a interagir com á comunidade germânica local. O termo “bastardo da Renânia” se deve ao fato que muitas mulheres de militares alemães que ficaram viúvas e desamparadas passaram a se relacionar com os africanos, resultando no nascimento de filhos que não eram considerados alemães por seus pais não terem sangue alemão. Esses filhos também não podiam se remeter a França, pois pela visão franco-colonial, negros não poderiam ser colocados no mesmo patamar de cidadania.


A propaganda chauvinista e revanchista alemã através de discursos, charges, artigos utilizou a situação de ocupação para fomentar revolta e orgulho ariano, os soldados africanos eram caracterizados em formas grotescas, apresentados como estupradores doentes, um risco a integridade racial do país. Um detalhe a ser lembrando e que a Alemanha igualmente como a França também se serviu do uso de tropas africanas na guerra. Contudo os alemães não as trouxeram para Europa, utilizando para defesa de seus domínios coloniais na nomeada “África Oriental Alemã”.


A ocupação por tropas negras em seu território era considerada por setores nacionalistas como vergonha nacional. Adolf Hitler em sua autobiografia política “Mein Kampf”  tratou do assunto de forma bastante áspera. Hitler tratou de combinar seu antissemitismo ao racismo anti-negro, conforme o ele próprio deixou registrado em seu livro:


''[...] Foram e continuam a ser ainda judeus os que trouxeram os negros até o Reno, sempre com os mesmos intuitos secretos e fins evidentes, a saber: "bastardizar" à força a raça branca, por eles detestada, precipitá-la do alto da sua posição política e cultural e elevar-se ao ponto de dominá-la inteiramente.'' - Mein Kampf, Cap XIX - Povo e Raça, pg 175


Alvo de desprezo e discriminação o racismo alemão já muito forte antes mesmo da chegada nazista ao poder, impossibilitava que esses mestiços fossem considerados cidadãos plenos. Com a ascensão de Hitler em 1933 e a implementação de leis raciais em 1935 tornou impraticável a sociabilidade dos não-arianos. Era uma população de aproximadamente 24.000 pessoas com descendência negra que foram postos em uma cidadania de segunda categoria, os afro-alemães ficaram impedidos de ocuparem cargos ou posições em organizações estatais e civis. 


Entre 1937 e 1938 o antropólogo e médico Eugen Fischer um dos mais prestigiados eugenistas alemães e que exerceu muita influência junto a Hitler, assumiu a chefia de um programa que esterilizou compulsoriamente pelo menos 600 mestiços da área da Renânia. Eugen Fischer também era notório por fazer estudos com crânios de africanos originários da Namíbia para reforçar conceitos eugênicos e defender a superioridade ariana.

Hans J. Massaquoi não era um bastardo da Renânia, mas era um afro-alemão. Nascido em 1926 era filho de mãe branca com um liberiano, seu avô era Momulu Massaquoi cônsul-geral da Libéria na Alemanha. Em sua autobiografia "Destined to Witness" Hans J. Massaquoi, narra como foi sua infância durante o III Reich. Massaquoi cresceu longe do pai que era estudante universitário em Dublin, sua mãe era enfermeira em 1929 seu avô retornou para Libéria sua mãe decidiu permanecer na Alemanha, cuidado dele como mãe solteira. Como descreve Massaquoi por sua inocência infantil desconhecia como era processado o racismo nazista, que foram alguns episódios que o fizeram tomar consciência, apesar da cor de pele conseguiu entrar na para o quadro da Juventude Hitlerista, mas seu fenótipo não se encaixava com o modelo de jovem ariano disseminado pela propaganda do III Reich, quando adolescente namorou secretamente uma filha de um oficial da SS. Outros dois episódio que o marcariam seria a vitória do pugilista negro norte-americano Joe Louis sobre o alemão Max Schmeling em 1936 e a conquista de  quatro medalhas de ouro pelo corredor Jesse Owens na Olimpíada de Berlin. Isso reforçou nele um sentimento de orgulho por ser negro. Em 1947 Massaquoi migrou para os Estados Unidos, se tornou jornalista e trabalhou em revista como Jet e Ebony.


O drama dos bastados da Renânia ficou eclipsado pelo holocausto dos judeus, mas trata-se de uma parte importante histórica que não pode cair no esquecimento. Um crime contra humanidade praticado primeiramente pelos franceses que usaram os pais desses mestiços como "bucha de canhão" na guerra e os alemães que posteriormente discriminaram esses indivíduos na vida social.




Referência Bibliográficas:
Hitler's Black Victims, Setembro, 1992
Mein Kampf, Vol. 1925, Vol II 1926
Destined to Witness, Fevereiro, 2001



Kassan 04/07/2014

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