180 anos uma Jihad era planejada no Brasil!

Cidade de Salvador ano de 1835, um grupo de africanos muçulmanos mantidos em condição de escravos, decidiram organizar uma insurreição armada para se libertarem do cativeiro. Essa tentativa de levante ficaria conhecido como Revolta dos Malês.

O termo “male” ou “imalê” também utilizado é de origem do idioma ioruba, significa literalmente muçulmano. O Islã chegou ao Brasil pela primeira vez através dos africanos trazidos pelo comércio atlântico de escravos.

Inicialmente os primeiros muçulmanos eram Hausas, mas com a propagação do Islã em terras habitadas por Iorubás, passaram a desembargar também Nagôs que professavam o islamismo. Apesar das tentativas em catequiza-los ao catolicismo como parte do processo de dominação, esses africanos conseguiam as duras penas se manterem fies as suas práticas religiosas, alguns simulando terem aderido a religião europeia. A população muçulmana em Salvador reunia peculiaridades que a diferenciavam em certos aspectos das demais camadas de africanos escravizados na época. O conhecimento do idioma e escrita árabe era um deles.

Os muçulmanos que conspiravam a revolta tinham planos em estabelecer um Estado regido por leis islâmicas, sem a participação de brancos, católicos, mulatos. Alguns desses islâmicos tinham como influência de inspiração o africano Usman Dan Fodio (1754-1817), escritor, mestre religioso, reformador social. Usman Dan Fodio foi fundador do Califato de Sokoto em 1809, um poderoso Estado Islâmico que abrangeu os territórios em Burkina Faso, Camarões, norte da Nigéria. Com uma população de aproximadamente 10 milhões de habitantes em seu auge, Dan Fodio construiu este império através do uso da Jihad. Califato de Sokoto perdurou até 1903 até ser destruído pela colonização britânica.

Salvador, BA, foi a primeira capital do Brasil de 1549 á 1763 sendo uma cidade essencialmente movida a trabalho de mão de obra escrava. Os escravos ocupavam diversas esferas laborais, dos afazeres domésticos ao trabalho executado tanto nas ruas como no setor extrativista e agrícola. Esse modelo econômico criou uma dependência intrínseca para o funcionamento da cidade. Isso fez com que a massa de origem africana ser numerosamente maior do que a população originária europeia. O convívio nunca ocorreu de maneira pacifica, e sempre houve aguda resistência africana. No início do século XIX houve registro de tentativas de rebeliões a escravatura que foram esmagadas com extrema violência por parte do Estado, a repressão ao Quilombo do Urubu em 1826 é exemplo dessa política opressora.

Assim como perdurava os cultos ao panteão de Orixás, através de sincretismo com santos católicos, os “Malês” se mantinham em esforço para não perderem a fé no Profeta Maomé. Aos olhares distantes dos capatazes, os muçulmanos faziam das senzalas uma espécie adaptada de madrassa (escola de aprendizagem corânica). Além de estudarem e realizarem práticas religiosas, também fomentavam planos conspirativos para se livrarem da opressão imposta pelos brancos. Os mulatos, não eram bem vistos pelos Malês, pois eram tidos como traidores em potencial que ajudariam aos senhores da Casa Grande ao invés de participarem da luta por libertação. O conhecimento da linguagem árabe permitia estabelecer e estender uma comunicação necessária para dar continuidade à subversão.

Os proeminentes líderes da revolta eram Ahuma, Manuel Calafate, Luis Sanim e Pacífico Licutã, Elesbão do Carmo, Luiza Mahin. Houve a distribuição de tarefas entre os membros, alguns ficavam a cargo de recrutar mais adeptos e outros tinham a missão em obter armas é munições. Os preparativos eram feitos de forma minuciosa até que se alcançasse um número considerável de adesões para os combates. O início da ofensiva havia sido marcado para uma data importante para o islamismo, fim do Ramadan. Porém uma delação por parte de uma mulher negra conduziu a força policial até a residência de Calafate na madrugada de 24 para 25 de janeiro. Surpreendidos os muçulmanos que estavam presentes no local tiverem que se mobilizar sem estarem totalmente preparados. Ocorreu o primeiro embate armado entre revoltosos é a policia. Pacífico Licutã estava aprisionado no momento do início da insurreição, seus companheiros após resistirem á primeira investida da polícia, seguiram para tentar liberta-lo na prisão municipal.

Uma forma de conseguirem se identificar era que levavam consigo amuletos com inscrições em árabe e passagens do Alcorão. Com os planos de ação atrapalhados pela intervenção, os revoltosos tiveram que lutar descontroladamente, não havendo uma coordenação específica para atividades, as autoridades de Salvador já estavam cientes e preparavam força máxima para esmagá-los. Os Malês até conseguiram ocupar um quartel, mas não reuniram condição de manterem posição. Com todo o aparato do Estado e também com a ajuda de milicianos civis destinado para repressão, aproximadamente 500 integrantes da revolta foram cercados nas proximidades do Quartel da Cavalaria da Água do Menino, neste local ocorreu à batalha decisiva que selou a derrota militar dos muçulmanos. Resultado de perdas humanas foi de 7 mortos do lado das tropas do Estado, e 70 negros, 281 capturados deles foram capturados. A retaliação seguida ao sufocamento da revolta foi brutal. Os líderes foram condenados a pena de morte, os negros livres foram deportados do Brasil para África, açoites foram ordenados até para muçulmanos que não tiveram ligações com a revolta. Seguiram também inúmeras medidas visando impedir a realização de novos levantes com a presença de islâmicos. Intensificaram a vigilância a fim de impossibilitar a reunião de muçulmanos seja por qual motivo fosse, negros foram proibidos de circularem pelas ruas após determinada hora da noite.

Luíza Mahin, mulher de luta e resistência!

Entre os nomes destacáveis na Revolta dos Malês um que sobressai foi de Luíza Mahin. Provavelmente pertencente à etnia jeje, os dados sobre sua origem são divergentes, alguns apontam que ela foi transportada para o Brasil, já na condição de escrava, outros se referem a ela como sendo natural da Bahia e tendo nascido livre no ano de 1812. Em 1830 deu a luz a um filho, Luis Gama, que mais anos posteriores se tornaria um importante advogado da causa abolicionista. Sobre a mãe, Luis Gama escreveria as seguintes palavras: ''Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."

Pelo seus feitos Luíza Mahin assumiu um dimensão mítica, lendária entre os negros de Salvador. Motiva por uma destemida inteligência estava sempre articulando revoltas contra o poder branco. Assim como há divergência sobre sua origem, também pesam dúvidas sobre seu destino após a Revolta dos Malês, informações desencontradas apontam sua fuga da Bahia em direção ao Rio de Janeiro a onde teria dado continuidade a suas atividades insurrecionais, por isto sendo presa e enviada para África onde permaneceria até o ano de sua morte, sem confirmação de data exata.

Referência bibliográfica

JOÃO, José Reis. Rebelião escrava no Brasil: a história do Levante dos Malês (1835). São Paulo: Companhia das Letras, 2003, 665p.

MOURA, Clovis. Rebeliões da Senzala, quilombos, Insurreções, Guerrilhas. São Paulo: Editora Zumbi, 1959, 304p.


FREITAS, Décio. A Revolução dos Malês. Porto Alegre: Movimento, 1985. 106p.



Kassan 27/01/2015