CANTO DOS PALMARES


Eu canto aos Palmares
sem inveja de Virgílio, de Homero e de Camões
porque o meu canto é o grito de uma raça
em plena luta pela liberdade!
 
Há batidos fortes
de bombos e atabaques em pleno sol
Há gemidos nas palmeiras
soprados pelos ventos
Há gritos nas selvas
invadidas pelos fugitivos...
 
Eu canto aos Palmares
odiando opressores
de todos os povos
de todas as raças
de mão fechada contra todas as tiranias!
 
Fecham minha boca
mas deixam abertos os meus olhos
Maltratam meu corpo
minha consciência se purifica
Eu fujo das mãos do maldito senhor!
Meu poema libertador
é cantado por todos, até pelo rio.
 
Meus irmãos que morreram
muitos filhos deixaram
e todos sabem plantar e manejar arcos
Muitas amadas morreram
mas muitas ficaram vivas,
dispostas a amar
seus ventres crescem e nascem novos seres.
 
O opressor convoca novas forças
vem de novo ao meu acampamento...
Nova luta.
As palmeiras ficam cheias de flechas,
os rios cheios de sangue,
matam meus irmãos, matam minhas amadas,
devastam os meus campos,
roubam as nossas reservas;
tudo isto para salvar a civilização e a fé...
 
Nosso sono é tranqüilo
mas o opressor não dorme,
seu sadismo se multiplica,
o escravagismo é o seu sonho
os inconscientes entram para seu exército...
 
Nossas plantações estão floridas,
Nossas crianças brincam à luz da lua,
nossos homens batem tambores,
canções pacíficas,
e as mulheres dançam essa música...
 
O opressor se dirige aos nossos campos,
seus soldados cantam marchas de sangue.
O opressor prepara outra investida,
confabula com ricos e senhores,
e marcha mais forte,
para o meu acampamento!
Mas eu os faço correr...
 
Ainda sou poeta
meu poema levanta os meus irmãos.
Minhas amadas se preparam para a luta,
os tambores não são mais pacíficos,
até as palmeiras têm amor à liberdade...
 
Os civilizados têm armas e dinheiro,
mas eu os faço correr...
Meu poema é para os meus irmãos mortos.
Minhas amadas cantam comigo,
enquanto os homens vigiam a terra.
 
O tempo passa
sem número e calendário,
o opressor volta com outros inconscientes,
com armas e dinheiro,
mas eu os faço correr...
Meu poema é simples,
como a própria vida.
Nascem flores nas covas de meus mortos
e as mulheres se enfeitam com elas
e fazem perfume com sua essência...
 
Meus canaviais ficam bonitos,
meus irmãos fazem mel,
minhas amadas fazem doce,
e as crianças lambuzam os seus rostos
e seus vestidos feitos de tecidos de algodão
tirados dos algodoais que nós plantamos.
 
Não queremos o ouro porque temos a vida!
E o tempo passa, sem número e calendário...
O opressor quer o corpo liberto,
mente ao mundo
e parte para prender-me novamente...
 
- É preciso salvar a civilização,
Diz o sádico opressor...
Eu ainda sou poeta e canto nas selvas
a grandeza da civilização
a Liberdade!
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz....
 
- É preciso salvar a fé,
Diz o tratante opressor...
Eu ainda sou poeta e canto nas matas
a grandeza da fé  a Liberdade...
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz....
 
Saravá! Saravá!
repete-se o canto do livramento,
já ninguém segura os meus braços...
Agora sou poeta,
meus irmãos vêm comigo,
eu trabalho, eu planto, eu construo
meus irmãos vêm ter comigo...
 
Minhas amadas me cercam,
sinto o cheiro do seu corpo,
e cantos místicos sublimizam meu espírito!
Minhas amadas dançam,
despertando o desejo em meus irmãos,
somos todos libertos, podemos amar!
Entre as palmeiras nascem
os frutos do amor dos meus irmãos,
nos alimentamos do fruto da terra,
nenhum homem explora outro homem...
 
E agora ouvimos um grito de guerra,
ao longe divisamos as tochas acesas,
é a civilização sanguinária que se aproxima.
Mas não mataram meu poema.
Mais forte que todas as forças é a Liberdade...
 
O opressor não pôde fechar minha boca,
nem maltratar meu corpo,
meu poema é cantado através dos séculos,
minha musa esclarece as consciências,
Zumbi foi redimido...

( Solano Trindade )
REVISTA TIÇÃO

Revista Tição foi criada em 1976 em na cidade de Porto Alegre. Desde o início foi uma publicação de vanguarda, que avançou no debate é reflexão sobre o racismo. Reunindo um brilhante staff de colaboradores que incluíam jornalistas, escritores e militantes de um vindouro Movimento político Negro que se reestruturava corajosamente mesmo sobre a repressão do autoritarismo do regime militar. 

Revista Tição foi um marco no renascimento da imprensa negra, isso em pleno período da ditadura militar a onde a questão do racismo era tabu a ser abordado, tempo em que a censura era exercida contra tudo que contrariava os interesses do regime. Nada de discutir relações raciais, questionar discriminação étnica, disparidades socioeconômicas entre brancos e negros, tudo era proibido. Deveria prevalecer o imposto pensamento hegemônico, baseado no modelo de ''democracia racial'', a propaganda oficial apresentava o Brasil, como sendo um país abstenho de qualquer modalidade de racismo, éramos o paraíso da harmonia racial em terra. Cogitar a politização da população afro-descendente era algo fora da ordem. 


Mesmo diante a todo clima hostil é contrário a abrangência da análise étnico-racial, a revista foi levada a cabo, sendo um importante órgão de comunicação. Em circunstâncias de muitas dificuldades em prosseguir a revista deixou de ser publicada em 1979.


Posteriormente houve tentativas em reativar a publicação, lançaram-se algumas edições, contudo sem êxito esperado. Estamos em véspera de 20 de novembro, data da celebração de nossa consciência política, humana, resgate é valorização de nossa memória história. Que fique registrado a importância da Revista Tição e a necessidade em construir uma mídia associada diretamente a defesa de nossos interesses, um canal de expressão e representatividade que desfaça a influência nefasta da mídia venal que com seu poderio, nos nega representação é ainda por cima nos criminalizar de todas as formas possíveis. 






Kassan 18/10/2013

LEMBREMOS É RESPEITEMOS NOSSOS MORTOS!

Relembrar os mortos é um exercício de homenagem que possamos ter para com eles que se foram. Honrá-los por sua caminhada, resistência é história, nos coloca dignos de reivindicarmos nossa preciosa identidade. Nenhum povo segue em frente ignorando seu passado ou menosprezado seus ancestrais. Essa cultura de respeitar os que aqui não mais se encontram em plano terreno, faz com que nos fiquemos mais fortes, mais inteligentes, mais compreensivos sobre nossa existência. 

Para reverenciar plenamente os nossos homens e mulheres que transitaram da vida para morte, não basta apenas retrocedermos a linha do tempo em apenas em anos, décadas, mas sim em séculos.  





Kassan 02/11/2013