Viva Consciência Negra!

Hoje celebramos a data de morte carnal de nosso grande líder Zumbi, comandante de Palmares! Até chegarmos a esse nível de consciência devemos lembrar de um homem que viabilizou essa condição presente, Oliveira Silveira.  Se estamos nesse período crescente de conscientização de nossa luta, não podemos esquecer aqueles que permitiram a construção dessa realidade. Enquanto dizemos a plenos ares de nossos pulmões SOMOS ZUMBI! Nossos inimigos rangem os dentes de ódio é tentam por todas as formas nos tirar essa valiosa consciência que nós mantemos.


Oliveira Silveira foi um dos homens mais importantes da história recente de nosso povo, nascido na cidade de Rosário do Sul, RS em 1941. Historiador, escritor, poeta em 1971 junto a outros companheiros de luta funda o lendário Grupo Palmares na capital gaúcha. Em conjunto com integrantes do MNU ( Movimento Negro Unificado) foi um dos responsáveis pelo trabalho de elevar o 20 de Novembro como data marco da celebração da consciência negra, até então naquela época prevalecia comemorações ao 13 maio. Graça a sua persistência a memória história de Zumbi prevaleceu.


A partir da formação do Grupo Palmares é lançado a Revista ''TIÇÃO''  publicada em dois  números de 1978 á 1979 que se configura em um ressurgimento da imprensa negra. Uma publicação de vanguarda com uma abordagem revolucionária sobre a questão racial/racismo.


Honremos esse ilustre homem que em vida nós mostrou o caminho para nossa conscientização como fator fundamental de nossa libertação. Toda sua obra militante é um espólio a qual todos somos herdeiros. Oliveira Silveira faleceu em 2009 mantendo a alta a flâmula do espírito Palmarino.  Sobre a reminiscência eterna do Grande Zumbi erguemos a bandeira do glorioso Palmares em viste!






Vamos pra Palmares

Vamos pra Palmares
Depois que a noite cair e a treva dominar
O cagueta dormir e o sentinela passar
Eu vou de novo fingir quando silencio reinar
Aí vou sorrir quando o candeeiro apagar

Trincar por cima do pano para a corrente quebrar
Desmuquifar o aço faca de cortar jugular
Arrebentar os grilhão pro meu sangue circular
Chamar os nego irmão forte pra capoeirar

Vamo rezar um duá depois do salatul ichá
Guardar palavra de Alalh amarrar no patuá
Uma estrela e o crescente para nos guiar
Vamos sentido oriente que eu conheço um lugar

Aonde não tem sinhô aonde não tem sinhá
E o nego pode comê o que o nego plantar
Onde morrer é melhor viver pra paz é lutar
'Conteça o que acontecer nóiz tamo indo pa lá

Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares

Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares

Vamos render o capitão quebrar a louça do barão
Sacudir o casarão despojar os dobrão
Levar as filhas do sinhô que vai morrer do coração
Tocar fogo na capela e no barracão

Vamos de a pé embrenhar no meio da escuridão
E quando mata adentrar onde num entra alazão
Cor do nego vai camuflar e Allah vai dar proteção
Mãe natureza ajudará abrindo ventre e coração

Subir que nem Sucupira e confundir direção
Sem rastro os astros testemunharão
Mal da mata vai assolar e causar desolação
Inimigos no caminho todos sucumbirão

Vamos cantar uma canção hino de libertação
Antiga cantiga mandinga mantida recordação
A fé tá no tessubá promessa tá no Alcorão
Faz parte da nossa crença lutar contra a escravidão

Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares

Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares

Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Mesmo que eu tenha que cortar serras e ares
E que meu sangue regue o chão solo de nossos lares
Pois todos quilombolas são nossos familiares

Índios e foras da lei renegados e populares
Mal quistos e mal vistos vindos de vários lugares
Você não tá sozinho por que nós somos seus pares
No levante contra bandeirantes militares

E se lealdade ao justo Rei jurares
E com as próprias mãos paliçadas cavares
Se por amor a justiça a causa amares

E por causa da justiça ao amor armares
Quando rufares tambor quando tambor rufares
Que me sangrem os calcanhares contra nós sejam milhares
É tempo de defender nossas raízes milenares

Se esperamos vacilamos vamos todos pra Palmares
Mesmo que eu tenha que cruzar terras e mares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Mesmo que no caminho me sangrem os calcanhares

Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Mesmo que os inimigos contra nós sejam milhares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares
Enfrento os Borba Gato e os Raposo Tavares
Eu vou pra Palmares eu vou pra Palmares. 






Palmares 1999

A cultura e o folclore são meus
Mas os livros foi você quem escreveu
Quem garante que palmares se entregou
Quem garante que Zumbi você matou
Perseguidos sem direitos nem escolas
Como podiam registrar as suas glórias
Nossa memória foi contada por vocês
E é julgada verdadeira como a própria lei
Por isso temos registrados em toda história
Uma mísera parte de nossas vitórias
É por isso que não temos sopa na colher
E sim anjinhos pra dizer que o lado mal é o candomblé
A energia vem do coração
E a alma não se entrega não
A energia vem do coração
E a alma não se entrega não
A influência dos homens bons deixou a todos ver
Que omissão total ou não
Deixa os seus valores longe de você
Então despreza a flor zulu
Sonha em ser pop na zona sul
Por favor não entenda assim
Procure o seu valor ou será o seu fim
Por isso corre pelo mundo sem jamais se encontrar
Procura as vias do passado no espelho mas não vê
E apesar de ter criado o toque do agogô
Fica de fora dos cordões do carnaval de salvador
A energia vem do coração
E a alma não se entrega não
A energia vem do coração
E a alma não se entrega não.















Kassan 20/11/2012 




República da Branquitude!


A proclamação da república seguiu a esteira da abolição do escravagismo como resultado pela busca de projeto de modernização nacional, para que o Brasil pudesse se igualar as nações européias. Esse projeto, no entanto foi efetuado sobre condução conservadora, dominado por uma elite oligárquica de latifundiários que usufruíram do trabalho escravo em suas propriedades. Nessa procura pela substituição da mão de obra negra se desenvolveu incentivos a imigração européia massiva, os ideológicos que prediziam sobre o futuro brasileiro consideravam a necessidade de promover o  embranquecimento populacional como uma das alavancas para se alcançar a condição de país pleno. Portanto a república nasce preservando a supremacia branca não alterando em nada a estrutura social a qual os negros e mestiços foram mantidos submetidos a exploração é desprovidos de diretos elementares.


A república foi instaurada sem nenhuma motivação a realizar medidas de reparação dos danos causados aos escravizados e seus descendentes. Diante do descaso do nascente poder republicano diante a condição das massas negras, alguns negros optaram por se reivindicarem monarquistas, por considerar dentro de uma lógica que o regime monárquico foi um benfeitor por ter extinguido a escravidão do território nacional.


André Rebouças que se destacou no período imperial por sua colaboração como desenvolvedor de armas na guerra do Paraguai é como engenheiro por ter sido responsável por desenvolver um projeto que trouxe solução para a necessidade de água na então capital Rio de Janeiro, André Rebouças era contra a república é assumidamente a favor da manutenção da monarquia. Posteriormente já  nas primeiras décadas do século XX outra voz negra também se levantou contra a república, Arlindo Veiga dos Santos intelectual com amplo conhecimento em diversas áreas desde de lingüística, história, filosofia, sociologia. Seguindo sua convicção monarquista Arlindo Veiga dos Santos funda e lidera a organização Ação Imperial Patrianovista Brasileira, baseada na idéia de restaurar a monarquia em território nacional. 

Posteriormente Veiga dos Santos assumiria o comando da Frente Negra Brasileira (FNB)  misturando um programa de luta contra discriminação racial com o conservadorismo da doutrina social católica, isso o fez aproximar do movimento integralista liderado por Plínio Salgado, no entanto ele nunca se uniu a esse movimento. 


Apesar de não ter instituído leis oficiais de segregação racial a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos o Estado republicano usou de mecanismo de controle sobre a população negra, criminalizando as expressões culturais de tradição africanas, por exemplo capoeira até 1937 era considerada uma prática ilícita prevista no Código Penal.  A dita revolução de 1930 não modificou o cenário para a população sendo que o poder se manteve nas mãos das oligarquias brancas.


Como forma de buscar melhoria das condições de vida é pelo reconhecimento a terem direitos a comunidade negra vai formatando sua percepção organizacional como medida de obter resultado concreto em seus anseios é necessidades em 16 de setembro de 1931 é fundada a Frente Negra Brasileira FNB que cria seu próprio jornal  “A Voz da Raça” a qual vincula suas reivindicações. A FNB passa a crescer  com desenvoltura alcançando uma condição estável, passando a ser a maior organização cívica negra da história do Brasil, essa condição possibilitou a idealização de transformá-la  um partido político registrado.



Em 1932 explode o conflito que seria conhecido como Revolução Constitucionalista. O movimento constitucionalista contou com a participação de soldados negros lutando ao lado das forças paulistas, sendo que os combatentes negros foram reconhecida por um artigo publicado no jornal A Gazeta cujo titulo: "Os homens de cor e a causa sagrada do Brasil" expressa:


"Os patriotas pretos estão se arregimentando - Já seguiram vários batalhões - O entusiasmo na Chácara Carvalho - Exercícios dia e noite - As mulheres de cor dedicam-se à grande causa. Também os negros de todos os Estados, que vivem em São Paulo, quando o clarim vibrou chamando para a defesa da causa sagrada os brasileiros dignos, formaram logo na linha de frente das tropas constitucionalistas."


O movimento constitucionalista é derrotado permanecendo Getulio Vargas a frente do poder. Em 1937 com o golpe Vargas inaugura o Estado Novo, promove o fechamento de todos partidos e movimentos políticos a  Frente Negra Brasileira também é proibida, cancelando dessa forma as pretensões em tornar-se um partido.  Após o período de redemocratização republicana em 1945 Abdias do Nascimento antigo integrante da FNB, cria o TEN- Teatro Experimental do Negro. Mas consolidar uma nova organização de peso como a Frente Negra Brasileira não foi possível de se realizar.


Adentrando a década de 1964 a agitação popular em torno das reformas de base vai estremecendo interesses antagônicos dos grupos dominantes da república, o governo de João Goulart vai recebendo pressão cada vez maiores,  temendo o avanço do comunismo a cúpula militar realiza o golpe em 1964, ocorre o recrudescimento, eliminando as já parcas liberdades políticas algo que afeta ainda mais a representatividade da população negra no ambiente político. Como forma harmonizar forçadamente a sociedade o regime militar reforça a idéia de democracia racial na tentativa de eliminar possíveis focos de contestação diante a inexpressividade negra no círculo de poder.


Em 1978 ocorre um marco histórico um grupo de ativistas negros promove um ato público nas escadarias do Teatro Municipal, consolidando a confirmação da criação do Movimento Negro Unificado com objetivo de centralizar os debates, discussões é ações de combate a discriminação racial.  O renascido Movimento Negro acompanha a crescente reivindicação pela finalização do regime cívico-militar é pela restauração da democracia republicana. Formam-se diversos grupos de culturais-artísticos, de estudos levantando a necessidade urgente da luta contra o racismo.  


Em 1988 opera-se a transição conservadora de poder com a aprovação de uma nova constituição se reconhece a perniciosidade do racismo, classificando-o como crime inafiançável, no entanto essa penalização do racismo não inibiu que a população negra seja exposta ao cotidiano de discriminação racial, sendo inexistente a aplicação da lei em situação comprovadas de crime, a lei tem sua validade anulada por manobras jurídicas que garantem impunidade aos responsáveis por cometerem esses delitos.  


As pautas que norteiam o Movimento Negro estão cerradas dentro de uma plataforma programática que inclui: valorização da história africana, respeito às práticas de exercício de culto das religiões de matriz africana, mobilização contra o extermínio da juventude promovido por agentes da repressão do Estado (polícia) é pelo fim da luta fratricida causada pelo trafico varejista de drogas, luta pelo reconhecimento total de posse de terras das comunidades quilombolas, pela acessibilidade as instituições de ensino superior.


Dentro desse período de 123 anos de república a população negra pode celebrar  conquistas de alguns direitos básicos, mais não dar por encerrada a luta antiracista, havendo ainda um largo caminho a ser traçado para se conseguir a plenitude de igualdade étnica. As instituições republicanas do Estado se mantêm reacionárias não representando de forma democrática a composição étnica da sociedade.





Kassan 15/11/2012