Produzir é Aprender. Aprender para Produzir e Lutar Melhor
Dentro de pouco tempo vamos começar a preparar as machambas(1) para um novo ciclo de produção.
Para muita gente talvez a produção pareça um rito, uma necessidade, qualquer coisa que somos obrigados a fazer para comer e vestir.
É evidente que a produção deve satisfazer as nossas necessidades biológicas fundamentais. Mas ela é necessária para nos libertarmos da miséria, ela é necessária para melhor conhecer, dominar e utilizar a natureza, ela é necessária para nos formar politicamente.
Nós somos revolucionários, os nossos actos todos têm um sentido político, um conteúdo político. Por isso a nossa produção, além de ter um sentido e um conteúdo econômico, tem um conteúdo político.
Na zona do inimigo, no capitalismo, no colonialismo, também se produz. Também o homem pega na enxada para ferir a terra. Também o homem na máquina da fábrica — que ainda não temos na nossa zona — constrói o objecto. No entanto, nós dizemos que a produção na zona do inimigo é exploração, enquanto que na nossa zona a produção liberta o homem. Contudo, é a mesma enxada, o mesmo homem, o mesmo gesto de ferir a terra. Porque será então que existe esta demarcação?
Quase todos conhecem a arma G3. A arma G3 nas mãos do inimigo serve para oprimir e massacrar o povo, mas quando capturamos uma arma G3, ela torna-se um instrumento para libertar o Povo, para castigar os que massacram o Povo. A arma é a mesma, o seu conteúdo mudou, porque quem se serve dela tem novos objectivos, novos interesses.
Um camponês moçambicano que produz arroz em Gaza, para que serve a sua produção? Serve para ele comer, para satisfazer as necessidades da sua família? Talvez numa certa medida. Mas o que é certo, é que com o que obtém da produção ele tem de pagar os impostos coloniais, impostos que financiam a polícia que o prende, impostos que pagam o ordenado do administrador que o oprime, impostos para comprar a arma dos soldados, que amanhã vão expulsar o camponês da sua terra, impostos para pagar o transporte e instalação de colonos, que vão ocupar a terra do camponês. O camponês produz para pagar os impostos, o camponês pelo seu trabalho financia a opressão de que é vítima.
Continuemos com este exemplo de um camponês que produz arroz. Ele para viver precisa de outras coisas além do arroz. Ele precisa de roupa, ele precisa de azeite, ele precisa de muita coisa que tem de comprar na loja. Para comprar precisa de dinheiro e o dinheiro não cai do céu. Quer isto dizer, que o nosso camponês tem que ir vender o seu arroz à loja ou companhia. Ele vende as suas coisas por preços baixos, e compra por preços quatro a cinco vezes mais altos do que quando vende. Com um saco de algodão, fabricam-se muitos metros de tecido de algodão, muitas camisolas. No entanto, quando vendemos um saco de algodão, o dinheiro que recebemos por um saco, mal dá para comprar uma só camisola. Quer isto dizer que a produção que fazemos, o nosso suor combinado à terra, beneficia aquelas companhias, aqueles comerciantes que nada fizeram.
Na zona do inimigo estas são as formas mais suaves, menos cruéis de exploração. Há outras muito piores. Há a venda dos trabalhadores para as minas, os jovens partem fortes para as minas. Muitos morrem nos desastres nas minas. Mais de 2 500 morrem nas minas por ano. Outros, não sabemos o número, voltam sem um braço, sem uma perna, os pulmões comidos pela tuberculose. Os donos das minas são dos homens mais ricos do mundo, o ouro tirado das minas é vendido a preços muito altos, mas quanto ganham os homens que morrem, nas minas?
Ao longo do Zambeze, estão as ricas terras da Sena-Sugar. A Sena-Sugar ganha muitos e muitos milhares de contos por ano. Mas quem trabalha nas terras ricas, da rica Sena-Sugar, quanto ganham? Nas minas de carvão de Moatize, nos palmeirais da companhia da Zambézia, nas terras altas do chá do Gurue, em toda a parte os homens moçambicanos cultivam machambas ricas, constroem prédios altos, fazem produzir fábricas de maquinas complicadas, mas em toda a parte, não é quem trabalha, quem sua por cima da terra, quem arrisca a vida na galeria da mina, não é esse quem beneficia do trabalho.
Na zona do inimigo o trabalho determina a classe. Na zona do inimigo, o trabalhador, pelo seu trabalho, dá riqueza a quem não trabalha e ganha miséria para si.
Na zona do inimigo, o trabalho manual, o trabalho que cria tudo, é para os pobres, para os «brutos». Na zona do inimigo, o trabalho manual, o trabalho físico, pegar numa enxada, é para os «brutos», os «selvagens», os «analfabetos». Quanto menos se trabalha mais educado se é, quanto menos se trabalha mais civilizado se é, quanto mais se explora o trabalho dos outros e quanto mais se despreza os trabalhadores, mais respeitado, mais elevado se é na sociedade. Quem pode imaginar um governador, um médico, um general, um banqueiro, com as mãos cheias de calos, os pés enterrados na terra, suando por baixo do sol do esforço da enxada? Seria considerado desonroso, vergonhoso, baixo.
Na zona do inimigo em que os exploradores, como piolhos, vivem do trabalho dos explorados, nas escolas, na rádio, no cinema, em toda a parte, se ensina o desprezo pelo trabalho manual, a veneração pelos exploradores.
Na nossa zona é diferente. O trabalho não serve para enriquecer companhias e comerciantes, especuladores e parasitas.
O trabalho destina-se a satisfazer as necessidades do Povo e da guerra. Por isso mesmo, a nossa produção é objecto de ataques constantes do inimigo.
Na nossa zona, o trabalho é um acto de libertação, porque o resultado do trabalho beneficia os trabalhadores, serve os interesses dos trabalhadores, Isto é, serve para libertar o homem da fome, da miséria, serve para fazer progredir a luta. Porque na nossa zona abolimos a exploração do homem, porque a produção é propriedade do Povo, ela serve o Povo.
Assim produzimos para os nossos interesses. E o nosso interesse fazer crescer crianças sãs, libertas da doença, crianças fortes libertas da fome e do raquitismo.
Produzindo, contribuímos para alimentar correctamente as nossas crianças, o nosso Povo.
Cultivando, produzimos alimentos ricos em vitaminas; produzimos a cenoura que tem vitaminas que reforçam a nossa vista; produzimos uma infinidade de produtos, do milho ao tomate, do feijão à alface, que dão forças ao organismo, produtos que pela sua diversidade e riqueza própria, nos permitem beneficiar de uma alimentação variada, que, porque variada, não só é mais agradável como também nos fornece uma dieta mais equilibrada que por si mesmo combate inúmeras doenças e nos torna mais resistentes. É de considerar ainda que o esforço físico da produção, em especial a agrícola, não só robustece os nossos músculos, enrijece o nosso corpo, como ainda, porque nos mantém em contacto com a natureza, nos mantém ao sol que nos dá as vitaminas (D,A) necessárias para a resistência do organismo, cria condições para gozarmos de uma saúde boa.
Por outro lado é através da produção, do seu desenvolvimento, e somente através da produção, do seu desenvolvimento, que conseguimos resolver as nossas necessidades crescentes. Em muitas regiões, porque conseguimos exportar para países amigos os nossos excedentes, atenua-se o problema da roupa: o que exportamos, dá-nos meios para comprarmos o que ainda não produzimos.
As nossas necessidades em roupa, em calçado, em sabão, só serão solucionadas de duas maneiras: aumentando as exportações, aumentamos o que podemos comprar, é esta uma maneira. A segunda, mais eficaz embora a mais longo termo é de nós próprios produzirmos estes produtos.
Propositadamente falamos de tecido, calçado e de sabão. A razão é simples: no nosso país os nossos agricultores produzem o algodão com que se faz o tecido. A produção artesanal do tecido de algodão está ao alcance das nossas possibilidades. Nós possuímos as peles de vaca, cabritos e inúmeros outros animais; a partir das peles é que se produz o calçado. A produção artesanal do couro e do calçado, está ao alcance das nossas possibilidades. Nós dispomos das matérias-primas vegetais com que se produz o sabão, as experiências realizadas em Cabo Delgado provam que estamos em condições de produzir sabão.
Por outro lado, o aumento da produção, através do melhor aproveitamento dos nossos recursos — utilização do estrume e irrigação, desenvolvimento da horticultura, criação de animais, etc. — é possível, como provam as experiências realizadas em certas bases militares e em centros pilotos.
A produção serve pois para solucionar os problemas essenciais de uma alimentação rica para a saúde e para cobrir o conjunto das nossas necessidades. Por isso, na nossa zona é honrado, é louvado quem trabalha, é criticado, é denunciado, é combatido e desprezado, quem quer viver explorando o trabalho dos outros.
Na nossa zona, porque o nosso combate é para libertar os trabalhadores explorados, é com orgulho que nós vemos as nossas mãos com calos, é com alegria que nós enterramos os nossos pés na terra. O trabalho na nossa zona ajuda-nos a desenvolver a consciência da nossa origem, ajuda-nos a sentir orgulhosos da nossa classe; ajuda-nos a liquidar os complexos que os colonialistas e capitalistas queriam impôr-nos.
Nós dissemos já que ao produzir estamos a aumentar ou reforçar a consciência da nossa origem, estamos a desenvolver a consciência da nossa classe. Devemos dizer também que estamos a unirmo-nos mais, a cimentar a nossa unidade.
Quando eu, nianja, estou a cultivar lado a lado com o ngoni, estou a suar com ele, com ele a arrancar vida à terra, eu estou a aprender com ele, estou a apreciar o seu suor, estou-me a sentir unido a ele. Quando eu, do centro, com um camarada do norte, com ele discuti como fazer uma machamba, como plantarmos e o quê, juntos fizemos planos, juntos combatemos as dificuldades, juntos tivemos a alegria de colher a maçaroca crescida pelo nosso esforço comum, eu e esse camarada unidos, amamo-nos mais.
Quando eu, do norte, aprendi com um camarada do sul a fazer hortas, a irrigar os tomates vermelhos e carnudos, quando eu, do centro, aprendi com um camarada do norte a fazer crescer a mandioca que desconhecia, estive-me a unir com esses camaradas, estive a viver, materialmente, a unidade da nossa Pátria, a unidade da nossa classe de trabalhadores. Estive a destruir com ele os preconceitos tribais, religiosos, lingüísticos, tudo que era secundário e nos dividia.
Com a planta que cresceu, com o suor e inteligência que ambos misturamos à terra, cresceu a unidade.
Constantemente na FRELIMO nós falavamos de produção. Ao nosso exército demos as tarefas de combater, produzir e mobilizar as massas. À nossa juventude demos as tarefas de estudar, produzir e combater. Constantemente nas nossas discussões, nos nossos textos, se fala da importância da produção, diz-se que esta é uma frente importante do nosso combate, uma escola para nós.
Vimos que a produção nos satisfaz as necessidades da vida e também nos liberta e nos une. Mas vimos que a produção é uma escola. Que na produção aprendemos. Talvez algumas pessoas se surpreendam que nas nossas escolas os alunos consagrem longas horas à produção, que o nosso exército tenha essa tarefa. Essas pessoas talvez digam que é absurdo, que mais valia os alunos empregarem esse tempo lendo livros, tendo aulas, que a tarefa do exército é combater e não produzir. Essas pessoas pensam assim, porque isso lhes foi ensinado pelos capitalistas e colonialistas.
Nós Também Aprendemos na Produção
Os colonialistas e capitalistas, porque não produzem e vivem da nossa produção, porque se pretendem sábios e dizem que nós somos brutos e ignorantes, nunca podem reconhecer que se aprende na produção, que a produção é uma das mais importantes escolas.
Mas nós sabemos que a produção é uma escola, que ela e a revolução, o combate, são escolas fundamentais.
Nós dizemos isso, porque estamos esclarecidos pela consciência e experiência da nossa classe.
As nossas idéias não caem do céu como a chuva. Os nossos conhecimentos e experiências não vêm nos sonhos que temos a dormir. Sem nunca ter ido à escola, o nosso camponês analfabeto sabe mais sobre a mandioca, o algodão, o amendoim e muitas outras coisas, que o senhor doutor capitalista que nunca tocou numa enxada. Sem saberem ler, nós vemos que os nossos mecânicos conhecem mais profundamente o motor de um carro, como montá-lo, como repará-lo, como fabricar a peça quebrada, do que o senhor doutor capitalista, que nunca quis sujar as suas mãos com óleo do motor. Nós vemos os nossos pedreiros, «ignorantes», os nossos carpinteiros e marceneiros «brutos», desprezados pelos doutores capitalistas, fazerem casas lindas, móveis belíssimos que o senhor doutor capitalista aprecia imenso, que o senhor capitalista ignora totalmente como fazer.
Isto mostra claramente que é na produção que nós aprendemos.
Não aprendemos tudo de uma só vez. Um prato de massa não se engole de uma só vez mas pedaço a pedaço.
O que aprendemos, fazemos; quando fazemos, vemos o que ficou mal. Assim aprendemos dos erros e dos sucessos. Os erros mostram a deficiência do nosso conhecimento, os pontos fracos que devem ser eliminados. Isto quer dizer, que é produzindo que corrigimos os erros, a produção é que nos mostra que este terreno para dar bom tomate precisa de mais estrume e qual estrume, que ali precisa mais água. É fazendo as experiências que fracassaram, que os nossos alunos aprenderam a fabricar sabão, foi fabricando o sabão que eles melhoraram a qualidade do sabão.
Onde aplicar as nossas idéias? Como saber se as nossas idéias estão erradas ou estão certas? Não foi lendo no céu ou no livro, que os nossos alunos descobriram os seus pontos fracos na fabricação do sabão. Não foi sonhando que em Tete se começou a produzir mandioca, nenhum anjo desceu do céu para nos dar uma horta em Cabo Delgado.
A produção é uma escola, porque dela vem os nossos conhecimentos, é na produção que aprendemos e corrigimos os nossos erros. É indo ao Povo, trabalhando com o Povo que aprendemos e ensinamos ao Povo.
Se o nosso exército não produzisse, como é que iríamos produzir mandioca em Tete, quando o Povo desconhecia a mandioca? Se nos contentássemos em fazer estudos sobre a mandioca seria que a mandioca havia de crescer? Como reforçar a capacidade de defesa da nossa produção em Tete, contra bombardeamentos, armas químicas e incursões do inimigo sem diversificarmos a nossa produção, sem introduzir os novos produtos e produtos resistentes à acção do inimigo? Como é que o Povo poderá corrigir os seus métodos de produção, ver onde está bem e onde está mal, senão produzindo?
Nós costumamos dizer que aprendemos a guerra na guerra, o que quer dizer, na realidade, que é fazendo a Revolução que aprendemos a melhor maneira de fazer a Revolução, é lutando que aprendemos a lutar melhor, é produzindo que aprendemos a melhor produzir. Podemos estudar muito, ler muito, mas para que servirão essas toneladas de conhecimentos, se não as levarmos às massas, se não produzirmos? Se alguém guarda sementes de milho na gaveta será que vai colher maçaroca?
Se alguém aprende muito e nunca vem às massas, nunca vem à prática, ficará um compêndio morto, um gravador; poderá citar de cor muitas passagens de obras científicas, de obras revolucionárias, mas a sua vida inteira não criará uma só página nova, uma só linha nova.
A sua inteligência ficará estéril como aquela semente fechada na gaveta.
Nós precisamos de aplicar continuamente, precisamos de estar mergulhados na Revolução e na produção, para desenvolver os nossos conhecimentos, e fazer assim progredir o trabalho revolucionário, o trabalho da produção.
Na zona dos colonialistas portugueses há mais sábios capitalistas, mais técnicos, do que na nossa zona. Só na cidade de Lourenço Marques, há mais engenheiros, mais médicos, mais agrónomos, mais professores do que em todo o Moçambique inteiro. Mas para que serve isso? Perguntamos ainda, onde foi gente mais vacinada, na nossa zona ou na zona do inimigo? É claro que foi na nossa zona, apesar de não termos médico nenhum, de não termos quase medicamentos. Antes, em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, o Povo não sabia o que era o tratamento médico, apesar do inimigo dispor de médicos, de medicamentos e de milhares de contos para o orçamento da saúde. Apesar de todos os seus agrónomos e planos econômicos não foi o inimigo quem trouxe mandioca para Tete ou hortas para Cabo Delgado; apesar de todos os seus ilustríssimos professores, não foi o inimigo quem criou escolas, laboratórios nas escolas primárias, quem começou a alfabetizar os adultos, etc.
A ciência do capitalismo e do colonialismo é estéril, é como a semente fechada na gaveta. É estéril porque está desligada das massas, ela é fundada no princípio de que o Povo é bruto, de modo que nada se pode aprender do Povo, o Povo é bruto, de modo que não vale a pena fornecer ao povo conhecimentos científicos.
A semente do conhecimento só cresce quando for enterrada na terra da produção, da luta.
Se tanto transformamos já no nosso país, se tantos sucessos obtivemos na produção, no ensino, na saúde e no combate, é porque continuamente estivemos nas massas, com elas aprendemos e a elas transmitimos o que aprendemos, continuamente na produção, no combate e no trabalho, aplicávamos, corrigíamos, e enriquecíamos os nossos conhecimentos.
Mas não devemos estar satisfeitos.
Não basta aplicar, é preciso também conhecer, estudar.
A inteligência sem a prática, sem se combinar com a força fica estéril. A força sem inteligência, sem os conhecimentos fica cega, fica bruta. Um elefante é mais forte que um homem, mas porque o homem é inteligente, apesar de pequeno, pode fazer um carro que carregue mais que qualquer elefante. Um homem não tem asas como um pássaro, mas porque possui inteligência pode fabricar aviões que voam mais alto, mais depressa, e mais longe que qualquer pássaro.
Nós no nosso trabalho temos ainda muitas deficiências, que devemos e podemos corrigir. Essas deficiências resultam de uma aplicação insuficiente da inteligência no nosso trabalho. Todas as deficiências que temos podem ser reduzidas aos dois pontos: deficiências políticas, deficiências de conhecimento científico.
Em muitos sítios podíamos produzir mais, melhor, com menos esforços, com maior segurança contra a acção inimiga. Não o fazemos, porque não assumimos integralmente a nossa linha política, porque trazemos fortes em nós o individualismo, a corrupção herdadas da sociedade velha.
Um homem e sua família, por muito enérgicos que sejam, por muito trabalhadores que sejam, não podem ao mesmo tempo cultivar muitas e pequenas machambas, isto é, dispersar o alvo para o inimigo, por outras palavras proteger a produção. Esse homem e sua família não podem ao mesmo tempo estar a cultivar várias machambas que darão produtos diferentes e, por isso, uma comida mais rica. É-lhes impossível organizar um sistema de vigilância e protecção de todas as machambas, de todos os celeiros, da sua casa e povoação, contra as incursões e pilhagens do inimigo. Esse homem não pode estar a produzir e a fazer patrulhas em diferentes sítios, para vigiar o inimigo e impedir o ataque de surpresa.
Quer isto dizer, que o individualismo, espírito de propriedade privada, «eu tenho a minha machamba, o meu gado, tu tens a tua machamba e o teu gado, eu tenho o meu celeiro e a minha casa, tu tens o teu celeiro e a tua casa», isso leva-nos a fracassos, leva-nos a perder o gado, a machamba, a casa e o celeiro.
O individualismo, o espírito de propriedade privada, é o espírito capitalista, divide-nos, enfraquece-nos: se eu quiser dar um soco com um só dedo, parto o meu dedo e o meu adversário fica a rir-se de mim; se eu unir todos os meus dedos, com a mão inteira derrubo o adversário pelo meu soco.
Uma outra conseqüência grave das limitações no espírito colectivo na produção, das insuficiências dos métodos colectivos, é que isso impede-nos de aprendermos uns dos outros, de beneficiarmos das experiências e conhecimentos mútuos. Quando trabalhamos colectivamente, podemos discutir colectivamente e juntos vermos erros e sucessos, juntos nos interrogarmos sobre as causas dos sucessos e erros, juntos vamos aplicar e por isso corrigir o que aprendemos. Quando trabalhamos juntos e discutimos juntos criamos o progresso, nascem práticas que enriquecerão as idéias. Quando trabalhamos juntos há progresso, há iniciativa.
No passado, não havia progresso porque não discutíamos os conhecimentos e a experiência. Os conhecimentos e experiências que nos eram dados pelos avós tornaram-se doutrina que ninguém discutia, ficávamos estéreis, sem iniciativa.
Quando fazemos as coisas, devemos discutir para vermos o que é bom e o que é mau, guardar o milho e deitar fora a palha, separar o arroz das pedras. Tirar as lições de cada sucesso e fracasso, para enriquecer os nossos conhecimentos e, por consequência, o nosso trabalho. Mas quando agimos individualmente, com quem vamos discutir, com quem vamos aprender, com quem vamos tirar as lições e aplicar as lições? Trabalhando individualmente, estamos a dar soco com um dedo só.
Devemos pois, responsáveis, quadros, combatentes e militantes, trabalhar com energia para fazer as massas assumirem e viverem o espírito colectivo, utilizarem métodos colectivos de produção, o que permitirá elevar o espírito da unidade, de consciência e de classe, de disciplina e de organização.
Assumir uma consciência colectiva de trabalho, significa abandonar o individualismo e considerar que todas as machambas são nossas, do povo, todos os celeiros e casas são nossos, do povo. Quer dizer, unir-me com os outros numa cooperativa, numa brigada de produção. Juntos cultivamos, colhemos, juntos organizamos a vigilância, juntos protegemos o que pertence, não a mim ou a ti, mas a nós. Este campo não é meu nem teu, é nosso.
O aluno na escola, o soldado na base, o doente ou enfermeiro no hospital, possuem uma consciência colectiva, ninguém considera aquela escola, aquela base, aquele hospital, como sua propriedade privada, é por isso que todos se interessam com muito entusiasmo em fazer progredir o trabalho daquela escola, daquela base, daquele hospital. O resultado é que há progresso, o trabalho avança, o inimigo não pode atacar com tanta facilidade.
Porque nessa escola, nessa base, nesse hospital, abandonamos o espírito de individualismo, o espírito da propriedade privada, porque assumimos uma consciência colectiva, estamos realmente a ser o povo, a desenvolver a luta, a melhorar as nossas condições de trabalho e vida, estamos a unirmo-nos mais ainda, estamos a desenvolver ainda mais a nossa consciência de classe.
E por esta razão, em definitivo, que obtemos resultados superiores: onde existe espírito colectivo, estamos mais organizados, existe mais disciplina, existe divisão correcta de trabalho, existe também mais iniciativa, mais espírito de sacrifício, aprendemos mais, produzimos mais, lutamos melhor, com mais determinação.
A nossa direcção ao nível do Comitê Central, deverá depois de uma discussão profunda com as massas e quadros, criar estatutos das cooperativas, quer na produção agrícola e artesanal, quer no comércio.
Ao mesmo tempo e em colaboração com as estruturas Provinciais e o Departamento de Produção e Comércio, o Comissariado Político deve-se esforçar por introduzir métodos de planificação e orientação da produção e comércio, racionalizando o trabalho para o tornar mais eficaz.
Outras insuficiências, resultam do conhecimento superficial ou mesmo errado das leis que regem os fenómenos da natureza. São insuficiências no nosso conhecimento científico.
Muitas vezes perto do ponto de água — rios e poços — vivemos esperando as chuvas para as machambas, quando temos ali a água que resolve os nossos problemas. Outras vezes andamo-nos queixando que a terra é pobre, quando desperdiçamos completamente os fertilizantes naturais, o estrume de animais, que enriquecem a terra. Possuímos as matérias-primas com que se fabrica o sabão e continuamos sem sabão, podemos produzir, fiar e tecer o algodão e continuamos sem algodão. Muitos exemplos podem ser dados mas todos eles mostram que a falta de conhecimentos científicos faz de nós cegos, a solução do problema que enfrentamos está ao nosso lado e nós não vemos, não temos coragem da iniciativa. Combatemos os nossos conhecimentos insuficientes estudando, aprendendo, discutindo, aplicando.
Há companheiros que desprezam o estudo, porque ignoram o seu valor. O estudo é como uma lanterna á noite, mostra-nos o caminho. Trabalhar sem estudar, é andar às escuras, pode-se avançar, é certo, mas grandes são os riscos de tropeçarmos, de nos enganarmos no caminho.
Em certas bases, entre certos grupos de companheiros, criou-se o bom hábito de consagrar regularmente algum tempo ao estudo. Isto é bom, mas é insuficiente.
Queremos propor a todos os camaradas, a todos os responsáveis e quadros, que organizem entre si com as unidades, programas constantes e regulares de estudo. Que se consagre, de acordo com a situação, ao menos uma hora por dia para as actividades de estudo. O estudo deve ser organizado dentro do espírito de trabalho colectivo, de consciência colectiva, pequenos grupos, onde uns aprendem dos outros e todos juntos combatem a ignorância.
Nesta primeira fase, porque o nosso ponto de partida é bastante fraco, aconselhamos sobretudo que se consagre o esforço à elevação dos conhecimentos de base, em particular, à tarefa de liquidação do analfabetismo no seio das unidades e quadros.
O Comissariado Político em colaboração com o D.E.C.(2), trabalhando em estreita colaboração com as estruturas Provinciais, deve organizar o programa de luta contra o analfabetismo e a ignorância, de maneira que cada base da FRELIMO se torne também uma base de luta contra o obscurantismo.
Ligado inteiramente a este programa, deve ser introduzido um outro, de Seminários, que leve os nossos camaradas com conhecimentos científicos superiores — agrónomos, engenheiros, mecânicos, sociólogos, enfermeiros, etc.... — a elevarem o nível geral dos conhecimentos dos responsáveis e quadros dum distrito, duma Província, Estes Seminários devem ser Seminários especializados, com temas precisos, como irrigação, higiene, construção de moinhos, introdução de novas plantas, introdução de novos métodos de produção.
Assim, os nossos camaradas poderão ligar o seu estudo científico com a prática e fazer elevar o nível do seu trabalho e do trabalho das massas.
Uma terra sem estrume dá plantas débeis, mas o estrume sem terra queima a semente e também nada se produz. A nossa inteligência, os nossos conhecimentos são como o estrume, é necessário misturar o estrume com a terra, a inteligência com a prática.
O capitalismo, o colonialismo, porque precisam, para viver, da nossa exploração, devem-nos manter ignorantes e devem separar o conhecimento das massas, criar uma elite culta que não trabalha e só serve para melhor explorar a massa, guardada na ignorância.
Nós dizemos que são os trabalhadores quem deve saber, quem deve governar, quem deve beneficiar do trabalho. Nós dizemos e praticamos isso. É por esta razão que a nossa Luta Armada se transformou em Revolução, é por esta razão que tudo está em constante transformação, é por esta razão que estamos a libertar a energia criadora das massas. É por esta razão, finalmente, que o inimigo nos odeia.
Nada existe sem produção, nada existe sem os trabalhadores. Os aviões e bombardeamentos, os crimes colonialistas têm o objectivo de manter os trabalhadores a produzir para os capitalistas, mantê-los explorados. O alvo das nossas armas, o objectivo da nossa luta, em definitivo, é destruir a exploração do homem pelo homem, de que o colonialismo é, hoje, a forma principal na nossa pátria. O nosso objectivo é entregar a produção à capacidade criadora das massas.
Vamos entrar no nosso oitavo ano de guerra. No próximo ano vamos celebrar o X aniversário da fundação da nossa Frente. Muito crescemos, mas para crescer mais, para responder às necessidades crescentes da guerra e do Povo, é fundamental que a nossa produção aumente em quantidade, em qualidade, que mais produtos sejam criados no nosso pais.
A revolução liberta o homem, a sua inteligência, liberta o seu trabalho. Esta libertação manifesta-se pelo desenvolvimento dos nossos conhecimentos, pelo desenvolvimento da nossa produção, desenvolvimento que serve o povo, que serve a luta.
Por isso, neste momento em que a nossa agricultura se prepara para iniciar um novo ciclo de produção, dizemos a todos os camaradas:
Produzir é Aprender, Aprender para Produzir e Lutar Melhor.
A Luta Continua!
Independência ou Morte,
Venceremos!
Notas:
(1) Exploração agrícola (N. C.)
(2) Departamento de Educação e Cultura.Kassan 15/09/2011
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