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Este sistema não pode produzir liberdade para o negro.
Em maio de 1964 os diários de Nova Iorque começaram a publicar artigos sensacionalistas sobre a suposta existência de um bando negro armado que chamaram os “Irmãos de Sangue” (Blood Brothers). Segundos os noticiários o grupo foi formado por “dissidentes entre os Mulçumanos Negros” e seu objetivo era matar gente branca. Em resposta à campanha de provocações por parte dos diários contra os jovens lutadores antiracistas da cidade, o Militant Labor Forum auspiciou um fórum em Nova Iorque entitulado: “O que há por detrás da histeria sobre o bando de ódio?”
Dos oradores que haviam aceitado o convite, Junius Griffin, o repórter do New Iork Times que havia escrito uma série de artigos asseverando que dito “bando de ódio” existia no Harlem, decidiu no último momento não ir, alegando motivos de ética profissional; e o secretário de Malcom X, James Shabazz, cedeu seu lugar a Malcom que acabara de regressar da África e do Oriente Médio. Malcom havia ouvido rumores acerca do “bando de ódio” quando se encontrava na Nigéria.
Os outros oradores foram Clifton DeBerry, candidato presidencial do Partido Socialista dos Trabalhadores e primeiro candidato negro à presidência dos Estados Unidos; Quetin Hand, subdiretor executivo do Grupo de Ação do Harlem; e William Reed, representante do Congresso pela Igualdade Racial (CORE) em Nova Iorque.
Discurso de Malcolm X pronunciado em 29 de maio de 1964.
[...] Creio que um dos erros que comete nosso povo...às vezes se desculpam sobre algo que poderia existir, que a estrutura de poder considera criticável ou difícil de aceitar. E sem dar-se conta sequer, às vezes tratamos de demonstrar que não existe. E se não existe, às vezes deveria existir. Eu penso que qualquer coisa que necessite o homem negro neste país para obter sua liberdade agora, essa coisa deveria existir.
A meu modo de ver, qualquer um que enfrente os mesmos problemas que eu é meu irmão de sangue. E tenho muitos, porque todos enfrentamos o mesmo problema. Assim que se não existe [o bando armado] a pergunta é: deveria existir? Não se existe, mas se deveria existir. Não tem direito de existir? E desde quando um homem deve negar a existência de seus irmãos de sangue? É como rechaçar a própria família.
Se vamos falar da brutalidade da polícia, é porque a brutalidade da polícia existe. Por que existe? Porque os nossos [negros], nesta sociedade específica, vivem em um estado policial. Um negro, nos Estados Unidos, vive em um estado policial. Não vive em uma democracia; vive em um estado policial. Isso é o que é, isso é o Harlem.
Visitei o mirante de Casablanca e visitei o de Argel com uns irmãos, irmãos de sangue. Me levaram ali e me mostraram o sofrimento, me mostraram as condições em que tivemos que viver durante a ocupação dos franceses. [...] Me mostraram as condições que tiveram que viver enquanto estiveram colonizados por esta gente da Europa. E também me mostraram o que tiveram que fazer para livrar-se desta gente. O primeiro que tiveram que compreender foi que todos eram irmãos; a opressão os fazia irmãos; a exploração os fazia irmãos; a degradação os fazia irmãos; a discriminação os fazia irmãos; a segregação os fazia irmãos; a humilhação os fazia irmãos.
E uma vez que compreenderam que eram irmãos de sangue também compreenderam o que teriam que fazer para livrar-se daquele homem. Viviam em um estado policial; Argelia era um estado policial. Todo território ocupado é um estado policial; e isto é o Harlem. Harlem é um estado policial. A polícia, sua presença no Harlem, é como uma força de ocupação, um exército de ocupação. Não está no Harlem para proteger-nos; não está no Harlem para velar por nosso bem estar; está no Harlem para proteger os interesses dos homens de negócios que nem sequer vivem ali.
As mesmas condições que prevaleciam na Argélia e que obrigaram a esse povo, ao nobre povo da Argélia, a recorrer as táticas de tipo terrorista que foram necessária para se sacudir a dominação, essas mesmas condições prevalecem atualmente nos Estados Unidos em todas as comunidades negras.
E eu não seria homem se me pussesse aqui para dizer a vocês que os afroamericanos, os negros que vivem nestas comunidades e nestas condições, estão dispostos a permanecer sentadinhos e não violentos, esperando pacientemente e pacificamente que a boa vontade venha mudar as condições existentes. Não! [...]
Se aqueles dos senhores que são brancos apoiam sinceramente os intereses do povo negro neste país, proponho-lhes que devem compreender que os dias da resistência não violenta se acabaram; os dias da resistência passiva se acabaram [...]
Outra coisa que verão proximamente nos Estados Unidos – e por favor não me coloquem a culpa quando o vejam -, são as mesmas coisas que ocorreram entre outros povos deste planeta, onde as condições eram semelhantes as que existem aos 22 milhões de afroamericanos neste país.
O povo da China se cansou de seus opressores e se voltou contra seus opressores. Não se alçaram sem violência. Era fácil dizer que estavam em desvantajem porém começaram sendo 11 e hoje em dia estes 11 controlam a 800 milhões. Pois o opressor sempre diz ao oprimido: “Está em desvantajem”.
Quando [Fidel] Castro estava nas montanhas de Cuba, lhe diziam que estava em desvantajem. Hoje está em Havana e todo o poderío que tem este país [Estados Unidos] não o pode derrocar.
O mesmo disseram aos argelinos: “Com o que vão a lutar?” Agora tem que fazer reverências a Bem Bella. Saiu da prisão onde o prenderam e agora têm que negociar com ele, porque ele sabia que o que possuía ao seu lado era a verdade e o tempo. Hoje o tempo está do lado dos oprimidos; está contra o opressor. Hoje a verdade está do lado dos oprimidos, está contra o opressor. Não necessitam nada mais.
Para concluir gostaria de dizer o seguinte. Vão a ver um terrorismo que os vai aterrar; e se creem que não vão a ver, estão fechando os olhos ante a tendência histórica de tudo o que está ocorrendo no mundo hoje. E vão ver outras coisas.
Porque vão vê-las? Porque o povo vai dar-se conta de que é impossível que uma galinha produza um ovo de pato, ainda que ambos pertençam a mesma família de aves. Uma galinha simplesmente não tem um sistema capaz de produzir um ovo de pato. Não o pode fazer. Somente pode produzir segundo o que seu sistema específico foi construído para produzir. O sistema neste país não pode produzir liberdade para o afroamericano. É impossível para este sistema, este sistema econômico, este sistema político, este sistema social, este sistema e ponto. É impossível que este sistema, tal e como é, dê a liberdade imediata ao homem negro neste país.
E se alguma vez uma galinha produzisse um ovo de pato, estou seguro que dirías que realmente se trata de uma galinha revolucionária!
Artigo exposto em
Circulo Palmarino:
"O Círculo Palmarino é uma corrente nacional do movimento negro, criada em março de 2006, na cidade de Vitória – ES, que tem como objetivo combater o racismo e todas as suas manifestações concretas. Jovens lideranças e antigos lutadores anti-racistas do movimento negro, sindical e estudantil resolveram somar seus esforços em torno da construção de uma corrente nacional do movimento negro que fosse um pólo de luta contra o racismo e de resistência às políticas neoliberais aplicadas pelos governos de FHC e Lula. A organização possui como lema: FORTALECER A RESISTÊNCIA NEGRA AO NEOLIBERALISMO. Hoje, o Círculo Palmarino possui militantes organizados nos estados de SP, BA, ES, PA e RJ, em núcleos e pré-núcleos que possuem como objetivos reunir negros, negras e antiracistas, a partir de suas comunidades e espaços de atuação, e estabelecer canais permanentes de formação e mobilização política.
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