A validade do 13 de Maio!

Prevalece um excessivo desprezo pelo 13 de maio.  Não haveria falta de motivos a isso, pela apresentação da historiografia oficialista sempre mostrou a data de 13 de maio de 1888 como um esplêndido ato de benevolência de uma princesa regente, uma dádiva concedida para uma população escravizada, supostamente passiva que receberá uma dádiva das mãos justamente daqueles de seus exploradores. Soma-se ao fato que no período pós-abolição não houve nenhuma medida de reparação efetiva. E claro o Brasil ter sido o último país no hemisfério ocidental a declarar o fim formal da escravidão. Portanto e reconhecível que o 13 de maio não alimente muitas recepções amistosas.


Entretanto e necessário analisarmos mais profundamente os aspectos da campanha abolicionista. Errôneo a prematura consideração, que reduz o abolicionismo a um movimento meramente dirigido por brancos letrados. Ou que foi meramente realizado a toque de pressão do imperialismo inglês, que ambicionava em conquistar o Brasil como um mercado consumidor para seus produtos manufaturados.


E preciso estudar a evolução do abolicionismo na história brasileira, houve o abolicionismo de aspecto elitizado que tinha em Joaquim Nabuco sua referência maior, no entanto havia um movimento abolicionista emergente provindo dos setores populares. 


Ao mencionar o abolicionismo de vínculo popular, remete a Conjuração Baiana movimento que possuía uma profundidade política mais do que a Inconfidência Mineira, o movimento mineiro que se desenvolverá alguns anos posteriores não definia como objetivo aberto à erradicação do escravagismo. Os revoltosos baianos inspirados pelas idéias iluministas, vindo principalmente da França revolucionária foram os que adotaram uma plataforma de reivindicações radicais para época, era defesa do movimento a completa independência em relação a Portugal, proclamação de um regime republicano e a abolição irrestrita da escravatura. O objetivo era construir uma sociedade que colocaria brancos, mulatos, negros e nativos em condição de igualdade como cidadãos livres. 


A Conjuração Baiana tinha como composição social, trabalhadores livres, artesões, pequenos comerciantes, portanto um extrato social essencialmente popular, por essa característica foi dado também a Conjuração o nome de Revolta dos Alfaiates. Ao descobrir a articulação insurgente a autoridade colonial agiu com enérgica repressão para debelar o movimento antes que o mesmo pudesse ramificar-se entre a população. Vários integrantes revoltosos e suspeitos de colaboração foram presos. Muitos foram expulsos do Brasil, outros foram executados na Praça da Piedade em Salvador. Mesmo com o esmagamento da conjuração a semente da luta abolicionista já havia sido semeada. Desejando o fim revolucionário da colônia e a formação de uma nova nação, são os nasceres da epigênese da nacionalidade brasileira.


Duras lutas pela liberdade foram travadas, sendo que muitas delas não receberam atenção dos historiadores. As constantes fugas, pequenas revoltas isoladas dos escravizados eram recorrentes.


A população africana escravizada, não se permitiu dominar-se de forma inerte, desenvolverá uma forma de organização que a permitia resistir à dominação da classe senhorial branca, eram os quilombos. Através do quilombo foi viável a construção de uma comunidade que permitia ao escravizados, retornarem mais próximo possível o modo de vida, existente nas sociedades africanas coletivistas.  Longe das relações de exploração laboral, imposta pelos brancos. Esse protagonismo e parte da luta abolicionista sim!  Não haveria história de resistência negra sem os quilombos.  A importância do quilombo e tamanha que fez com que Abdias do Nascimento, intelectual prático teorizou o conjunto de suas concepções sociopolíticas como o nome de Quilombismo.


Em 1822 com a eminente independência, logo se suscitou levemente um plano para abolição da escravidão, sido algo defendido por José Bonifácio de Andrada e Silva o "Patriarca da Independência".  No entanto essa possibilidade não era sequer cogitada pela classe de latifundiários que detinha a grande parte do contingente de africanos em cativeiros, o modelo econômico estava umbilicalmente necessitado pelo uso de mão de obra forçada, havia também nos perímetros urbanos, os pequenos proprietários de escravizados que os colocavam a postos para cumprirem serviços domésticos.


O famigerado Dom Pedro I, como era de costume ''tradicional'' entre os jovens senhoriais, utilizava-se de mulheres negras para satisfações sexuais, no entanto sem assumir qualquer compromisso algum.  


Alguns jovens, filhos de pessoas com posses financeiras pujantes, iam estudar em instituições européias e regressavam para o Brasil com o peso da filosofia iluminista, constatavam a realidade social com suas idéias, em resposta a isso fundam associações, clubes para debates e discussões sobre como poderia viabilizar o movimento abolicionista. Logo surgiram as primeiras publicações clamando pelo fim da escravidão, uma pequena imprensa agindo em estado de quase de semi-clandestinidade. Nessa dinâmica progressista acontece a fusão de perspectiva abolicionista com os pedidos pelo fim do governo monárquico e a transformação do regime político em uma república. Outra força que entrou em ação foi a Maçonaria.

O término da escravidão e a proclamação do regime republicano eram identificados como dois sinônimos de modernidade necessária para o avanço do Brasil. 

Assim cresceu o abolicionismo de fisionomia moderada. O principal representante dessa ala abolicionista foi Joaquim Nabuco, politicamente liberal, mas defensor da monarquia, foi autor do livro "O Abolicionismo" a onde propunha uma gradual eliminação da escravidão, algo que não promovesse reações que levariam a uma rota de atrito aos interesses da classe de senhorios. Afastar a ameaça de radicalidade do abolicionismo necessitava de um intricado jogo de equilíbrios, para evitar convulsão social generalizada conforme suas palavras: 


''O abolicionismo é antes de tudo um movimento político, para o qual, sem dúvida, poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão pela sua sorte, mas que nasce de um pensamento diverso: o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade.''       


Outro famoso abolicionista a seguir a mesma linha de Nabuco foi José do Patrocínio também monarquista. Em parceria com Joaquim Nabuco, ajuda a fundar a Sociedade Brasileira Contra Escravidão. 

A ala radical do movimento abolicionista tinha na figura de Luís Gama sua principal referência. Filho de um nobre português e da lendária africana Luiza Mahin uma das líderes da Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835.


Luís Gama foi advogado autodidata, escritor, jornalista. Empregando conceitos jurídicos por ele próprio desenvolvido, cuja legislação da época não concebia, defendeu o direito à autodefesa do escravizado, sintetizado através da explicação de o escravo que mata seu senhor pratica um ato de legítima defesa. Palavras como essas tiveram um impacto muito forte sobre os escravagistas, temerosos que pudesse desencadear a eclosão de um movimento de libertação radical, idêntico ao que aconteceu no Haiti. A pequena ilha era vilanizada nos discursos políticos senhoriais, por ter protagonizada a rebelião a onde os próprios escravizados se emanciparam da escravidão. Desse receio em excesso em relação ao Haiti, se formou a expressão haitianismo. Implacável na luta libertadora, Luís Gama defendia também de forma ardorosa o republicanismo, como jornalista cria o jornal Radical Paulistano, para divulgar as idéias abolicionistas e republicanas.  Sua militância foi notória por liderar a Associação Mocidade Abolicionista e Republicana.


A mudança de colônia para império independente não alterou a arcaica estrutura social de pensamento, mas no período colonial houve o desabrochar de intelectualidade progressista, que lentamente se desenvolvia, o poeta baiano Castro Alves, foi um exemplar dessa condição, um dos principais nome da terceira fase do romantismo no Brasil, Castro Alves criou potentes poemas, como: ''Os Escravos '', ''Tragédia no Mar'', e sua obra-prima ''O Navio Negreiro'' que denunciavam os horrores da escravidão. Participou de grupos abolicionistas. Em reconhecimento a sua dedicação foi conhecido como o ''Poeta dos Escravos''.


Já dentro do período imperial não pode se falar de abolicionismo sem citar o maior escritor brasileiro da história. Machado de Assis também empregou por meio de suas palavras um combate a instituição da escravidão. Suas principais obras relatam uma sociedade escravagista viciosa em franca decadência moral.  Antagônico a Machado de Assis, no campo das letras foi o escritor José de Alencar, filho de fazendeiro, deputado da assembléia estadual do Ceará, o autor de obra clássica da literatura nacional ''O Guarani'', era contrário a emancipação escrava.


A movimentação em torno da causa abolicionista não poderia ser contida. E o primeiro resultado de vitória do movimento em nível de território nacional, foi a aprovação da Lei Eusébio de Queirós em 4 de setembro de 1850, proibindo o tráfico de escravizados. Apesar da proibição, não houve uma excessiva vigilância por partes das autoridades em interromper de fato o comércio escravagista, logo se desenvolveu um tráfico clandestino. Duas décadas após em 28 de setembro de 1871, houve outra vitória apoiada pelo abolicionismo moderado à aprovação da "Lei Rio Branco", mais conhecida pelo nome de Ventre Livre. Declarando livres todos os filhos de escravizadas nascido desde a data da lei.


Na época da fase do 2° império o parlamento que era divido entre Partido Liberal e Partido Conservador, tinham minúsculas diferenças políticas, ambos eram fieis representantes da classe dominante. Nesse parlamento foi se preparando um cenário totalmente confortável a elite escravagista para colocar um fim a escravidão. Objetivando um processo que não fosse brusco e acima de tudo nada que envolvesse nenhuma medida indenizatória para a população escravizada.


Um fato determinante que impulsionou o aceleramento da causa abolicionista foi a Guerra do Paraguai. Há presença de soldados negros nas fileiras do exército brasileiro, intensificou uma discussão, após o fim do conflito, para muitos os negros haviam sido capazes de lutares de forma honrada pelo país, nada mais justo que abolir a escravidão como forma de retribuir os serviços prestados. Mesmo com a repressão as liberdades de expressão nos quartéis tiveram acontecimentos de manifestações abertamente abolicionistas nas forças armadas. Um passo decisivo foi à recusa do exército em continuar sendo usado em operações de captura de negros escravizados que fugissem do cativeiro.


Importante figura abolicionista foi o negro Andre Rebouças tinha trabalhado como engenheiro militar para o exército brasileiro na Guerra do Paraguai. Também havia projetado o conjunto de obras que possibilitou o fornecimento de água para capital Rio de Janeiro. Isso o rendeu bastante destaque. Andre Rebouças tinha contrárias posições à república, fato que o levou a defender a continuidade da monarquia.


Inegável que o Império Britânico intervém na questão da escravatura no Brasil. Por meio de empréstimos, principalmente fornecidos para o sustento dos esforços da Guerra do Paraguai, o Brasil formou uma densa dependência financeira ao capital britânico.  Não podendo fugir a essa realidade a Coroa brasileira era obrigada a se submeter a algumas exigências inglesas. Na Europa a Alemanha recém unificada 1871 estava em vias de crescimento, algo que ameaçava a hegemonia britânica, uma forma de manter-se como principal potência europeia seria estendendo os laços de comerciais em benefício a sua indústria. Raciocínio básico era: uma sociedade escravocrata a parcela de da classe de trabalhadores por fato óbvio por não ser remunerada não dispunha de renda própria para compra de bens e produtos. Os Ingleses passam a pressionar a Coroa a dar um fim à escravidão, objetivando fortalecer um monopólio do mercado interno brasileiro aos seus manufaturados. 

A monarquia perdia continua popularidade, não contava com o apoio da alta cúpula das Forças Armadas, os índices de pobreza e miséria entre a população livre cresciam, o clima caminhava para derrocada do regime. A princípio Dom Pedro II era resistente a essa idéia da abolição, pela mesma estar associada ao movimento republicanista. O monarca identificava nos proprietários de fazendas de café de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, suas últimas possibilidades em manter o regime de pé. Enquanto houvesse escravidão assegurada, haveria apoio dessa classe de proprietários. Na posição de imperador foi um o estimulador da imigração européia, mas seria justamente essa medida que o colocaria em destino fatal seu trono. A imigração de europeus abre a alternativa que possibilitaria o descarte dos negros escravizados do trabalho nas fazendas. A vinda de imigrantes europeus também oferecia a possibilidade em se promover o branqueamento da população nacional. O elo que prendia a aliança de Dom Pedro II aos latifundiários não era mais concreto e duradouro. 


Chega a 13 de maio de 1888, estando em viagem há Europa, mantendo sua filha como regente, coube a Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, algo que o próprio Dom Pedro II  inevitavelmente teria sido obrigado a fazer querendo ou não. Como efeito cascata um ano após isso, deixaria de ser imperador do Brasil.


Por anos consecutivos foi dado ao 13 de maio um caráter idílico. Algo que desconsiderava a participação dos negros escravizados na luta por sua libertação. Foi exitoso com ampla certeza que o Movimento Negro tenha elevado 20 de Novembro como expressiva data para marcar a conscientização e revalorização do Povo Negro. Mas descartar por completo a validade do 13 de maio e um equívoco! E preciso se reconhecer o que foi feito no período anterior a proclamação da lei. Simplesmente reduzir a história da abolição da escravatura a Lei Área e a Princesa regente Isabel, e negar absolutamente todo processo de intensas lutas que antecederam a 1888.




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S.Kassan 13/05/2013 

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