João da Cruz e Sousa, considerado o mestre do simbolismo brasileiro, nasceu em Desterro, hoje cidade de Florianópolis - SC, no dia 24 de novembro de 1861. Seu pai e sua mãe, negros puros, eram escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa. Ao que tudo indica o Marechal gostava muito dessa família, pois o menino João da Cruz recebeu, além de educação refinada, adquirida no Liceu Provincial de Santa Catarina, o sobrenome Sousa. Desde pequenino foi protegido pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua esposa, que o acolheram como o filho que não conseguiram ter.


Apesar de toda essa proteção, Cruz e Souza sofreu muito com o preconceito racial.
Educado na melhor escola secundária da região, teve que abandonar os estudos e ir trabalhar, face ao falecimento de seus protetores. Depois de dirigir um jornal abolicionista, foi impedido de deixar sua terra natal por motivos de preconceito racial.

Algum tempo depois é nomeado promotor público, porém, é impedido de assumir o cargo, novamente por causa do preconceito. Em 1890 transferiu-se para o Rio de Janeiro, ocasião em que entrou em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas; Cruz e Souza sobreviveu trabalhando em pequenos empregos e continuou sendo vítima do preconceito.Vítima de perseguições raciais,foi duramente discriminado. Vivia de suas colaborações em jornais e, mesmo já bastante conhecido após a publicação de "Missal" e "Broquéis" (1893), só conseguiu se empregar na Estrada de Ferro Central do Brasil, no cargo de praticante de arquivista. Casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, em 09 de novembro de 1893.

O poeta contraiu tuberculose e mudou-se para a cidade de Sítio - MG, a procura de bom clima para se tratar. Faleceu em 19 de março de 1898, aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão. Sua obra só foi reconhecida anos depois de sua partida. Gavita, que ficou viúva, grávida, e com três filhos para criar. Após o a morte do escritor perdeu dois filhos, vitimados também pela tuberculose. Com problemas mentais, passou vários períodos em hospitais psiquiátricos, vindo a falecer. O terceiro filho, com a mesma doença, faleceu logo em seguida. O único filho que sobreviveu, que tinha o nome do pai, também faleceu vitima dessa doença aos dezessete anos de idade.




Único remédio.

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero é como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulções alaga...

Tudo é veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que têm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lúgubre vem vindo.
E tudo acaba então no horror insano -
- Desespero do Inferno e tédio humano -
Quando, d'esguelha, a Morte surge, rindo...

Cruz e Souza.


Tristeza do infinito.

Uma tristeza que eu, mudo,
Fico nela meditando
E meditando, por tudo
E em toda a parte sonhando.

Tristeza de não sei donde,
De não sei quando nem como...

Flor mortal, que dentro esconde
Sementes de um mago pomo.

Dessas tristezas incertas,
Esparsas, indefinidas...

Como almas vagas, desertas
No rumo eterno das vidas.

Tristeza sem causa forte,
Diversa de outras tristezas,
Nem da vida nem da morte
Gerada nas correntezas...

Tristeza de outros espaços,
De outros céus, de outras esferas,
De outros límpidos abraços,
De outras castas primaveras.

Dessas tristezas que vagam
Com volúpias tão sombrias
Que as nossas almas alagam
De estranhas melancolias.

Dessas tristezas sem fundo,
Sem origens prolongadas,
Sem saudades deste mundo,
Sem noites, sem alvoradas.

Que principiam no sonho
E acabam na Realidade,
Através do mar tristonho
Desta absurda Imensidade.

Certa tristeza indizível,
Abstrata, como se fosse
A grande alma do Sensível
Magoada, mística, doce.

Ah! tristeza imponderável,
Abismo, mistério aflito,
Torturante, formidável...

Ah! tristeza do Infinito!

Cruz e Souza.


P.Kassan 10/12/2010.


Artigo originalmente publicado em: http://www.mundodorap.blogger.com.br/

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