Envenenando os opressores


Na década de 1950, o escritor cubano Alejo Carpentier produziu o romance O Reino deste Mundo, onde abordou a luta do povo haitiano em busca de sua libertação, atacando os fazendeiros donos de escravos, a partir do século 18. Sintetizamos abaixo um dos capítulos mais impressionantes da obra: "O veneno se espalhou pela Planície do Norte, invadindo os potreiros e os estábulos. Não se sabia como se introduzira entre as gramas e as alfafas, entre os fardos de forragem, e nem como alcançava as mangedouras.

O fato é que as vacas, os bois, os novilhos, os cavalos e as ovelhas morriam às centenas, cobrindo a comarca inteira com um infindável fedor de carniça.

Nos crepúsculos acendiam-se grandes fogueiras, que desprendiam uma fumaça baixa e gordurenta, antes de se extinguirem sobre montões de caveiras negras, de costelas carbonizadas e de cascos embrasados pelas chamas.

(...) Logo se soube com espanto que o veneno entrara nas casas. Uma tarde quando merendava um bolo, o dono da fazenda CoqChante caíra subitamente, sem ter sentido nada antes, arrastando consigo um relógio de parede, no qual estava dando corda.

Antes que a notícia se espalhasse pelas propriedades vizinhas, outros proprietários tinham sido fulminados pelo veneno que espreitava, para atacar melhor, escondido nas bacias dos veladores, nas terrinas de sopa, nos vidros de remédio, no pão, no vinho, nas frutas e no sal.

Escutava-se agora constantemente o martelar dos ataúdes. Na curva de cada caminho aparecia um enterro. Nas igrejas do Cabo (Cap-Haïtien) não se cantavam senão missas pelos mortos, e as extremas-unções chegavam sempre muito tarde.

(...) Exasperados pelo medo, bêbados de vinho por não se atreverem mais a provar a água dos poços, os colonialistas açoitavam os escravos, em busca de uma explicação. O veneno, porém, seguia dizimando... sem que as rezas, os conselhos médicos, as promessas aos santos, as cantigas ineficientes de um marinheiro da Bretagne, necromante e curandeiro, conseguissem deter a marcha subterrânea da morte.

Com pressa bem involuntária de ocupar a última cova que restava no cemitério, Madame Lenormand de Mezy morreu no domingo de Pentecostes, pouco depois de provar uma laranja (...) A guarnição do Cap desfilara pelas estradas numa ridícula ameaça de morte ao inimigo inatingível. Mas o veneno continuava alcançando as bocas pelos caminhos mais inesperados. Um dia, os oito membros da família Du Periguy o encontraram num barril de sidra que eles mesmos tinham trazido, nos braços, da adega de um barco recém-ancorado. A carniça havia tomado conta de toda a comarca..."

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