Filosofia Africana: Ontem e Hoje
Joseph I. Omoregbe
Tradução Renato Nogueira Jr.
A experiência humana é a fonte do conhecimento reflexivo entendido como filosofia. Esta experiência poderia ser do homem com ele mesmo (subjetividade) ou dele com o mundo (objetividade). Daí, filosofia poder partir de aspectos da subjetividade ou de aspectos da objetividade. Os primeiros filósofos gregos partiram da objetividade. Afinal, eles foram impactados pelo “espanto” enquanto observavam o mundo ao seu redor. Eles ficaram espantados e interessados por duas coisas. Primeiro, eles estavam muito impressionados com a diversidade e a unidade presentes no universo. Eles observaram que as coisas ao seu redor eram incrivelmente diversas; mas, ao mesmo tempo eles também observaram que existia uma unidade básica no interior de toda essa diversidade. Segundo, eles estavam maravilhados pelo fato das coisas se transformarem no mundo. Eles anunciaram que as coisas estão constantemente se transformando; mas, ao mesmo tempo eles observaram que existia uma continuidade básica no meio dessas mudanças. Daí, eles observaram que o universo combinava unidade com diversidade e continuidade com mudanças. Este foi o fenômeno estabelecido pelos primeiros filósofos gregos como objeto de investigação. Portanto, as maravilhas do universo físico levaram os primeiros filósofos gregos à filosofar. De fato, fenômenos como a imensidão do espaço, a imensidão do universo, a incrível variabilidade das coisas, a ideia de tempo, a ininterrupta transformação do mundo ao nosso redor, a continuidade presente nessas mudanças, a unidade básica no meio da diversidade, as estações do ano, os corpos celestes e seus movimentos circulares, o céu estrelado, o sol, a lua, etc. teem motivado profundas reflexões filosóficas sobre o mundo. Na sua Crítica da razão prática, Kant registrou que duas coisas, o colocaram em contato com o espanto, a saber: o céu estrelado e a lei moral.
Mas, como já foi dito, o filosofar também pode começar a partir da condição humana. Daí, o homem consigo mesmo ser alvo de uma investigação filosófica tão rica quanto a que se debruça sobre o universo físico. A brevidade da vida, suas vicissitudes, a superioridade humana sobre o resto da natureza sob seu controle e domínio, seu poder e sua fraqueza, sua alegria, seu pesar, sucessos e fracassos, sua finitude, sua experiência de sofrimento, desventura, doença, morte e decadência, grandeza e miséria do ser humano etc. teem conduzido para reflexão filosófica sobre toda a realidade. A filosofia de Buda, por exemplo, surgiu de uma reflexão sobre o sofrimento humano. Reflexão sobre este fenômeno da existência que levanta algumas questões básicas sobre a natureza humana. Que tipo de ente é o ser humano tão poderoso e tão fraco, tão grandioso e tão miserável? Hoje, ele pode ser forte e poderoso; amanhã, ele deixa de ser forte e poderoso e isto é o seu fim.
O ser humano tem um tempo natural de existência, seu instinto mais forte é o instinto de auto-preservação – seu desejo de permanecer vivo. Apesar de expectativa de vida ser breve e frequentemente se esgotar antes do “tempo” e contra os seus desejos mais profundos, todos os seus esforços para resistir ao fim imponderável são inúteis. O ser humano tem um forte desejo de saber, ele é curioso por natureza; apesar do seu conhecimento ser tão limitado que ele sequer conheça a si mesmo. Ele não sabe porque existe e não possui respostas sobre questões básicas a respeito de si mesmo. Ele não escolheu vir para este mundo, simplesmente se descobriu no mundo sem saber o porquê, e cedo ou tarde será forçado a deixar o mundo.
Como tudo que existe no universo o ser humano simplesmente aparece e finalmente desaparece. “Que quimera é o homem!” exclama Pascal, um caos, um sujeito em contradição. Portanto, o homem é um problema para si mesmo, um mistério. Qual é a sua origem? Qual é o seu destino final? O que acontece quando ele é forçado a deixar a existência? Ele é parte integrante da natureza ou ele transcende a natureza? Existe entre ele e os outros animais diferença de grau ou de natureza? Para que ele vive? Qual é o sentido último da vida? Existe uma força sobre-humana que controla tudo? Se esta força existe, ela pode ser conhecida?
Estas e outras interrogações semelhantes são questões fundamentais sobre a condição humana. Os seres humanos teem se direcionado para reflexões sobre toda a realidade. Refletir sobre uma dessas questões, buscar explicações e respostas é filosofar. Não existe uma parte do mundo onde as pessoas nunca tenham refletido acerca de questões básicas da condição humana ou sobre o universo físico. Em outras palavras, não existe nenhum lugar no mundo onde os seres humanos não tenham filosofado. A inclinação para refletir sobre questões filosóficas fundamentais faz parte da natureza humana; esta tendência está na raiz do instinto natural de curiosidade do homem – o instinto de saber.
Natureza humana e experiência humana são basicamente a mesma coisa em todo o mundo, a tendência para filosofar é constitutiva da natureza humana. Daí, o filósofo alemão Karl Jaspers ter dito que “o homem não pode evitar filosofar” (Jaspers, 1974, p.1). Em certa medida, num sentido genérico, todo ser humano é filósofo, na medida de que uma ou outra vez na vida, reflete sobre questões filosóficas fundamentais acerca da existência ou do universo físico. Por exemplo, nos funerais ou na hora da morte física ou do sofrimento, doença, dor, miséria, etc., os homens ficam aptos a refletir sobre o sentido da vida. Contudo, no sentido estrito do termo, um filósofo é alguém que dedica uma parte significativa do seu tempo para regularmente refletir sobre essas questões. Essas pessoas existem no mundo todo e podem ser encontradas entre todos os povos, em todas as civilizações e em toda parte do planeta. Não é apenas no mundo ocidental que as pessoas refletem sobre questões fundamentais acerca da existência e do universo. Em qualquer civilização existiam aqueles que estavam tomados pelo “espanto” e maravilhados com as complexidades do ser humano e do universo físico. Pessoas que regularmente dedicavam muito tempo refletindo sobre questões fundamentais que surgiam desse encantamento com a realidade ou de sua complexidade, eram os filósofos dessas civilizações. Não é necessário empregar os princípios aristotélicos ou russerlianos na atividade reflexiva para que ela possa ser considerada filosófica. Ela não precisa seguir os mesmos parâmetros dos pensadores ocidentais. A habilidade para refletir de modo lógico e coerente faz parte da racionalidade humana. A capacidade de pensar logicamente e de raciocinar são a mesma coisa. Com efeito, é falso afirmar que esse ou aquele povo não pode pensar logicamente ou empregar a razão de modo coerente porque não usa uma argumentação tipicamente ocidental baseada na lógica aristotélica ou russerliana. Algumas pessoas, educadas dentro da tradição filosófica ocidental, afirmam que não existe filosofia e nem atividade filosófica fora da filosofia e do método ocidental de filosofar, tal como eles denominam “tecnicamente”.
No seu livro Introdução à filosofia ocidental, o professor Antony Flew diz que filosofia consiste em argumentos “sempre, do início ao fim” e desde que não há argumentos no pensamento oriental (ou conforme ele pensa) por consequência não existe filosofia no pensamento oriental. De modo similar, referem-se à tradição filosófica africana. Professor Wiredu escreveu: “sem argumento e clarificação, não existe filosofia no sentido estrito do termo” (Wiredu, 1980, p.47). Conforme Wiredu, a tradição filosófica africana só pode ser considerada filosofia no sentido amplo do termo. O professor Wiredu é bem versado em filosofia ocidental, especificamente na tradição analítica anglo-saxã onde a filosofia é delimitada pela lógica, análise sistemática e clarificação dos termos. Esta é a impressão deixada por seus textos
Ele é certamente um dos filósofos africanos contemporâneos que contribui significativamente com a filosofia africana. Contudo, quando ele diz que sem argumentação e clarificação não há filosofia, tecnicamente falando, ele identifica filosofia com uma argumentação tipicamente ocidental. Em outras palavras, ele quer dizer que se a atividade reflexiva não estiver baseada na argumentação e clarificação típicas do pensamento ocidental (recomendado pela tradição analítica anglo-saxã), ela não é filosofia. Em primeiro lugar, a essência da filosofia não é o argumento; mas, a reflexão, o que faz com que não tomemos a argumentação tipicamente ocidental como padrão para a filosofia. Em qualquer lugar existe reflexão acerca das questões fundamentais sobre o ser humano e o mundo (seja qual for a forma de reflexão empreendida), isto é, filosofia.
Nós devemos distinguir entre filosofia e os modos de transmiti-la e preservá-la. Reflexões filosóficas podem ser preservadas e transmitidas de diversas maneiras. De longe, a melhor maneira de preservar e transmitir a filosofia é através da escrita, na forma de livros. As vantagens deste modo de preservação são enormes não somente porque as reflexões são preservadas e transmitidas sem alterações; mas, porque osfilósofos teem seus trabalhos preservados, transmitidos e eles são reconhecidos como autores e pensadores individuais. Deste modo é possível saber quais são as ideias originais e pontos de vista de cada autor, seja através de seus textos ou de textos sobre eles (tal como no caso de homens como Buda, Sócrates e Jesus Cristo que não deixaram nenhum texto escrito). O mundo ocidental tem sido beneficiado desde que a escrita surgiu na antiguidade e tornou possível preservar substancialmente as reflexões desses filósofos. Com efeito, podemos falar a respeito de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Hegel etc. Mas, quem pode dizer que outras civilizações não tinham seus próprios filósofos: Quem pode dizer que homens de outras civilizações não pensam, não refletem sobre questões básicas sobre a condição humana e o universo? Homens do mundo ocidental não são os únicos abençoados com racionalidade, com inteligência, com pensamento e com instinto de curiosidade. Todos esses elementos são característicos da natureza humana e são encontrados em todos os povos do planeta. Todas civilizações e todos os povos teem os seus próprios filósofos – seu próprio Sócrates, seu próprio Platão, seu próprio Descartes, seu próprio Hegel, etc. A África não pode ser uma exceção. Infelizmente, devido a ausência de registros escritos nos últimos tempos, as reflexões filosóficas de pensadores africanos não teem sido preservadas efetivamente.
De fato as reflexões filosóficas de pensadores africanos não foram preservadas ou transmitidas através de relatos escritos; a verdade é que esses filósofos permanecem desconhecidos para nós. Porém, isso não significa que eles não tenham existido; nós temos fragmentos de suas reflexões filosóficas e suas perspectivas foram preservadas e transmitidas por meio de outros registros escritos como mitos, aforismos, máximas de sabedoria, provérbios tradicionais, contos e, especialmente, através da religião. Isto quer dizer que apresentado na forma escrita, o pensamento pode ser entendido como um sistema, não somente como um conhecimento transmitido de uma geração para outra. Além das mitologias, máximas de sabedoria e visões de mundo, o conhecimento pode ser preservado e reconhecido na organização político-social elaborada por um povo. São esses os meios através do qual as reflexões e perspectivas dos filósofos africanos teem sido preservadas e transmitidas para nós na África. Portanto, estas reflexões e pontos de vista teem transformado, ao longo dos anos durante o processo de transmissão, parte do modo de vida africano, da cultura e patrimônio africanos. Porém, os autoresde perspectivas originais e individuais permanecem desconhecidos para nós. Ainda que nós saibamos que essas perspectivas teem sido fruto de profundas e interessantes reflexõesde alguns pensadores africanos no passado.
Onde há fumaça, deve existir fogo. Mesmo quando o fogo não pode ser visto. Os fragmentos das reflexões filosóficas, ideias e visões de mundo transmitidas para nós por intermédio de aforismos, máximas de sabedoria, através de provérbios, contos, organizações político-sociais, por meio de doutrinas e práticas religiosas não podem vir do nada. Eles são evidências de profundas reflexões filosóficas de alguns talentosos pensadores que eram filósofos africanos no passado, os africanos contemporâneos de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Hegel etc. O professor Wiredu chama a filosofia africana tradicional de “pensamento de comunidade” e diz que “ele não é criação especifica de um filósofo” (Wiredu, 1980, p.46-47). Ele afirma que esse pensamento é propriedade comum e pertence a toda a humanidade. O professor Wiredu quer dizer que estas ideias, insights, estas visões de mundo etc. não foram produzidos por pensadores individualmente?
Nós sabemos que não há algo como consciência coletiva ou consciência comunitária no sentido estrito do termo. Por consciência entendemos sempre uma consciência individual e pensamentos sempre são de indivíduos. A expressão “pensamento coletivo” não pode significar outra coisa além de pensamento de indivíduos numa comunidade. A filosofia tradicional africana surgiu a partir de pensadores individuais, filósofos que refletiram sobre questões fundamentais que surgiram da experiência humana. Professor Wiredu diz que elas são propriedades de todos; mas, isso não que elas foram produzidas por todos. Pensamentos e ideias transmitidos por pensadores eventualmente se transformam em propriedade comum. Mas, isto não significa que esses pensamentos não tenham sido elaborados por autores individuais. Vamos tomar como exemplo, o conceito akaniano da essência humana descrito por W.E. Abraham (1962, p.59-61) e Wiredu (1980, p.47). Conforme a tardição do pensamento Akan, a pessoa humana foi feita por cinco elementos : (1)nipadu – um corpo; (2) okra – uma alma, um guia espiritual; (3) sunsum – a parte de uma pessoa que é responsável pelo seu caráter; (4) ntoro – aquela parte que advém do pai, base das características hereditárias; (5) mogya – aquela parte da pessoa que se transforma em fantasma após a morte, herdada da mãe e que determina a identidade do clã da pessoa. Sem dúvida, este é um conceito altamente complexo de ser humano que é obviamente fruto de uma profunda e balizada reflexão sobre a condição humana. Se possuímos uma reflexão culminando nesta complexa noção de humanidade devemos ser levados a identificar pensadores singulares na nação Akan.
Embora este conceito dehumanidade tenha se tornado uma noção comum e propriedade de todos os akanianos; não quer dizer que o conceito tenha sido produzido por todos ou vindo do nada. Os autores eram filósofos akanianos e em algum momento do passado, suas ideias passaram a constituir parte da herança cultural da nação Akan. Esses filósofos akanianos evidentemente refletiram sobre a natureza humana e suas teorias são frutos de reflexões pessoais. O fato de não sabermos quem eram esses filósofos não significa que eles não existiram. O conceito akaniano de filosofia é muito mais rico e mais complexo do que muitos que encontramos na filosofia ocidental. É evidente que esse conceito tem seus autores singulares. Esses autores eram o Sócrates, o Platão, o Descartes etc. do povo akaniano.
Professor Wiredu também diz que o pensamento folclórico consiste em assertivas frágeis sem suporte argumentativo (Idem). Nós sabemos que não eram assertivas gratuitas, para os autores dessas ideias e perspectivas existiam razões para abraçar e desenvolver suas ideias. Eles não faziam afirmações sem fundamento, elas eram frutos de reflexões e as conclusões eram resultados de processos de raciocínio. Esses pensadores africanos não desenvolveram suas perspectivas sem razõessem reflexões para fundamentar as questões. Eles, apenas, não apresentaram seus raciocínios nos moldes do silogismo aristotélico ou da lógica de Russel, mas é óbvio que eles postularam suas ideias racionalmente. Por exemplo, quando eles sustentavam a perspectiva da reencarnação, sem dúvida, eles seguiram raciocínios específicos antes de apresentar as conclusões. Eles devem ter observado as pessoas sistematicamente, sabendo que elas morriam e renasciam depois. Eles defenderam que determinados traços de personalidade no passado eram reparados no futuro. Refletiram sobre este fenômeno antes de chegarem à conclusão de que alguns aspectos do ser humano renasciam após a morte. Observações e reflexões similares permitiu aos filósofos akanianos sustentar que a pessoa humana é composta pelos cinco elementos anteriormente descritos. Portanto, filósofos africanos passaram por processos de observação, raciocínios e reflexões antes de obterem ideias, perspectivas e visões de mundo transmitidas para nós através de máximas, contos, mitos, organizações sociopolíticas, doutrinas religiosas, etc.
Agora, como nós encontramos os processos que fizeram com que esses filósofos africanos sustentassem suas ideias? Como podemos descobrir as razões de suas ideias, pontos de vista e doutrinas que nos foram transmitidas? Numa cultura em que a filosofiaé preservada nos livros, essa tarefa é mais fácil. Por exemplo, se você quer saber porque Platão sustentou que a alma é imortal, tudo que você precisa fazer é ler o Fédon. Porém, numa cultura em que a filosofia foi preservada na memória através de máximas de sabedoria, provérbios, contos, mitos, religião, etc. passando geração após geração; as pessoas mais velhas podem nos ajudar (desde que estejam próximas, são a fonte para encontrarmos esses pensadores originais).
Desde que a filosofia foi preservada, através da memória ou dos livros; a memória dos anciões deve servir para descobrirmos as razões que são as bases do que nos foi transmitido. Com efeito, a memória dos anciões pode estar no lugar dos livros. Na cultura ocidental a pesquisa é normalmente feita na biblioteca, na situação peculiar da tradição filosófica africana o trabalho de campo é indispensável nas pesquisas. Este trabalho de campo tem como propósito reconstruir os processos de raciocínio que foram responsáveis pelas ideias que chegaram até nós, através de entrevista com os anciãos. Em outras partes do mundo, se você quer saber a filosofia de um povo, diz o professos Wiredu: “você não deve se reportar aos velhos camponeses, aos sacerdotes ou personalidades da corte; mas, aos pensadores em pessoa ou textos” (Wiredu, 1980, p.47-48). No caso da tradição filosófica africana, a memória dos anciãos ou personalidade da corte é de imensa ajuda. A tradição filosófica africana não é apenas a filosofia da África na antiguidade. Africanos contemporâneos também filosofam. Portanto, estou de acordo com o professor Wiredu que diz que a expressão “filosofia africana” não deve ser compreendida somente em termos de filosofia africana tradicional desde que existem filósofos africanos contemporâneos (Idem, p. XI). Existem filósofos africanos assim como existe filosofia africana contemporânea.
O que significa que a filosofia africana não deve ficar restrita à filosofia tradicional, devemos incluir filósofos africanos contemporâneos como Kwame Nkrumah, Leopold S. Senghor, Nyerere e Kwasi Wiredu. Os três primeiros são pessoas públicas que teem contribuído imensamente com a filosofia política africana contemporânea, o último nome, Kwasi Wiredu, é um filósofo acadêmico, professor de filosofia. Sem dúvida, existem outros filósofos em departamentos de filosofia por toda a África.
Professor Wiredu observa que filósofos africanos contemporâneos dedicam muito tempo de suas pesquisas à questões acerca da filosofia africana, distinguindo o que caracteriza a filosofia africana. Ele entende que é preciso chegar num estágio de ir além de debates sobre filosofia africana e começar a fazê-la (Ibidem). De acordo com oprofessor Wiredu, é preciso começar a trabalhar e desenvolver duas teses filosóficas. Primeira, verdade não é nada mais do que opinião.
Segunda, ser é ser conhecido. A primeira tese, a saber de que a verdade não difere da opinião, tem sido criticada por outro filósofo africano Dr. Oruka. Professior Wiredu tem divergido dessa e de outras críticas (Idem, p. 174). Wiredu recusa qualquer distinção entre verdade e opinião, defendendo que “a verdade não é distinta da opinião” (Idem, p. 114). Ele diz que a experiência do senso comum parece sinalizar que a verdade é algo distinto da opinião. Algumas vezes, sustentamos algumas opiniões como verdadeiras, porém, mais tarde descobrimos que estávamos errados. De fato, o senso comum faz distinção entre verdade opinião.
A verdade tem sido percebida como algo independente, uma realidade objetiva, categoricamente distinta da opinião (Ibidem). Wiredu denomina isto de perspectiva objetiva da verdade, conforme esta noção a verdade está fora do tempo, tem caráter eterno e permanece imutável enquanto as opiniões se transformam. Ele rejeita esta perspectiva objetiva da verdade com base na ideia de que “se verdade é categoricamente diferente de opinião, quando algo é verdadeiro, se assemelha a um princípio lógico, indemonstrável” (Idem, p.115). “Tudo que é alegado sobre a verdade é meramente uma opinião desenvolvida a partir de um ponto de vista específico; categoricamente diferente da verdade. Com efeito, afirmar que o conhecimento verdadeiro é distinto da opinião é uma noção contraditória em si mesma” (Ibidem). Portanto, conforme Wiredu, a teoria objetiva da verdade implica na sua indemonstrabilidade. Mas, isto é, uma divergência com o senso comum.
Afinal, algumas vezes sabemos que determinadas proposições são verdadeiras. “Portanto, a teoria objetiva deve estar incorreta” (Ibidem). Wiredu afirma que o “ponto de vista” é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, porque verdade sempre é verdade de um ponto de vista. Wiredu simplesmente identifica “ponto de vista” com “opinião” e afirma que desde que a verdade é sempre verdade de um ponto de vista, segue que a verdade não passa de opinião. “Verdade está sempre ligada a um ponto de vista, isto é, verdade é a perspectiva de um ponto. Existem muitas verdades tanto quanto muitos pontos de vista” (Ibidem).
Eu não posso subscrever essa teoria subjetiva da verdade que não distingue verdade de opinião. “Verdade é a mesma coisa que opinião” (Idem, p.114). Verdade não é idêntica à opinião. Verdade é objetiva, enquanto opinião é sempre subjetiva. Opinião é sempre a opinião de alguém, uma perspectiva subjetiva de algo, mas não podemos dizerque verdade é a verdade de alguém. Wiredu tenta desconstruir a diferença entre subjetividade e objetividade ou reduzir objetividade à subjetividade de modo que a objetividade desapareça. Porém, se objetividade desaparecer e for subsumida à subjetividade. Nós não poderíamos debater acerca da subjetividade, porque não existiria a distinção característica que torna a subjetividade possível, o contraste com a objetividade. Isto se aplica à verdade (objetividade) e opinião (subjetividade).
Se, tal como Wiredu defende, a verdade não é nada além de opinião, nesse caso a poinião perderia o seu significado, o qual só pode ser obtido em contraste com a verdade. A assertiva de Wiredu de que existem muitas verdades assim como muitos pontos de vista, afirmando que todo ponto de vista equivale uma verdade, é totalmente falsa. Wiredu identifica implicitamente “ponto de vista” com “verdade”. Mas, de fato, eles não são idênticos. Opinião é sempre subjetiva; mas, ponto de vista pode ser objetivo. Não faz sentido falar em “opinião objetiva” desde que opinião é sempre subjetiva; mas, podemos falar de um “ponto de vista objetivo” ou de “perspectiva da objetividade”. Consequentemente, mesmo que o aspecto do ponto de vista seja intrínseco ao conceito de verdade, ela não poderia ser descrita como nada além de opinião.
Outra tese de Wiredu é a de que “existir é ser conhecido”. Do mesmo modo que o ponto de vista é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, o conceito de conhecimento também é intrínseco ao conceito de ser e existência. Dizer que um objeto existe, argumenta Wiredu, é afirmar que o termo em questão se refere a um objeto. “Existir significa que um dado termo “x” equivale a algum objeto” (Idem, p.127). Portanto, dizer “x” existe é dizer que existe referência. Evidente que isto é sem argumentar, diz Wiredu, que não podemos alegar que o termo “x” se refere a algum ente enquanto não conhecemos nada sobre o ente em questão. De onde segue que alegar ou dizer que um objeto existe implica em ter algum conhecimento sobre o objeto. Por fim, existir é ser conhecido.Novamente, não posso subscrever esta tese. A semelhança entre está tese e a de Berkeley (que existir é ser percebido) é óbvia. Wiredu declara que a tese de Berkeley é irrefutável (Idem, p.114), e que sua tese é tão somente outra forma da tese de Berkeley. Afirmar que existir é ser conhecido, tal como Wiredu faz, implica em que a existência de um objeto dependa do conhecimento do ser do objeto. Mas, está não pode ser a razão, porque o conhecimento sempre pressupõe um objeto que seja anterior e independente de seu conhecimento.
O ato de conhecer é uma atividade voltada para umobjeto, o que pressupõe que o objeto de conhecimento exista antes e seja independente da atividade de conhecimento que lhe é direcionada. Não é a atividade de conhecimento que constitui o ser do objeto. Nada pode ser conhecido, a menos que exista a priori e independentemente da ação de conhecimento. Objetos existem primeiro e antes da atividade de conhecimento que é endereçada para eles, logo, o ponto de partida são os objetos de conhecimento. Existir não pode significar ser conhecido. É verdade que não podemos assegurar que um objeto existe sem conhecermos o objeto em questão, mas, isto não faz que a existência do objeto dependa do nosso conhecimento sobre ele. Conhecer um objeto é fazer com que o objeto seja alvo de nosso conhecimento, implicando certamente que o objeto exista antes e independentemente de nosso conhecimento sobre ele.
Referências Bibliográficas
ABRAHAM, W.E. The Mind of Africa, University of Chicago Press, 1962.
ARISTOTLE, Metaphysics, Harvard University Press, 1980.
BRITTON, K. Philosophy and the Meaning of Life, Cambridge University Press, 1969. JASPERS, K. Introduction à la Philosophie, Librarie Plon, 1974.
WIREDU, K. Philosophy and an African Culture, Cambridge University Press, 1980.
African Philosophy : Yesterday and Today in African Philosophy: an Anthology by Emmanuel Chukwudi Eze, Massachusetts/Oxford,
Blacwell Publishers,1998
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